domingo, 6 de junho de 2010

O charme das pequena

Pouco conhecida dos roteiros tradicionais de intercâmbios, a tranquila Eichstätt, cidade alemã que tem pouco menos de 14 mil habitantes, é boa opção para estudantes que procuram estudo aliado a diversão e turismo

Marktplatz, Eichstätt

A maioria dos estudantes que têm a oportunidade de fazer um intercâmbio acadêmico opta por capitais ou cidades mundialmente famosas. Contrariando o movimento, saí de Goiânia e fui fazer intercâmbio em uma cidadezinha no Sudeste da Alemanha, no interior do Estado da Baviera. Eichstätt (lê-se ‘aichtêt’) fica entre as cidades de Munique, capital estadual famosa pela Oktoberfest e pelo moderníssimo estádio de futebol Allianz Arena, e Nuremberg, uma das cidades mais importantes da região. O trajeto do aeroporto de Munique até meu destino final foi feito pelo meio de transporte público mais comum no país, o trem, e em uma hora e meia eu chegava ao município de aproximadamente 13.900 habitantes, dos quais quase 5 mil são estudantes da Universidade Católica de Eichstätt, Ingolstadt, conveniada com a Universidade Federal de Goiás (UFG) e outras universidades brasileiras.
Localizada em um vale, Eichstätt está dentro do território do maior parque natural alemão, o Altmühltal, o que justifica a perceptível pureza do ar. No meio do caminho, entre a pequena estação de trem e a praça principal da cidade, a Marktplatz, corre lento o rio Altmühl, um dos vários afluentes do Danúbio. Já na Marktplatz, nota-se a enorme quantidade de ciclistas, exemplarmente respeitados pelos motoristas dos poucos carros em trânsito. Não há arranha-céus, os picos são apenas os das montanhas que cercam a cidade ou das torres das igrejas católicas, religião de maioria absoluta em todo o Estado. As casas são, no geral, sobrados coloridos, o que faz a cidade parecer cenográfica. Com seus 1.100 anos de existência, Eichstätt testemunhou momentos históricos como guerras mundiais, conflitos e, em destaque, a caça às bruxas promovida pela Igreja Católica na Idade Média – muitas mulheres consideradas feiticeiras foram afogadas no rio Altmühl.

Gaiola usada para afogar bruxas na Idade Média

Na arquitetura e nas placas ilustrativas espalhadas nos seus 48km² de área, é possível viajar no tempo. Como em toda a Europa, a quantidade de pessoas idosas, em um primeiro momento, salta aos nossos olhares latinos.


Atrativos
Uma cidade assim pode não parecer muito atrativa para a badalação da vida universitária. Mas é. Não é à toa que todos os semestres em média 60 estudantes estrangeiros, vindos de todos os continentes, se juntam aos demais universitários alemães e desembarcam na cidade. Grande parte divide o aluguel de casas ou reside em moradias estudantis, onde pagam aluguéis até 50% mais baratos dos que os de uma capital. No meu primeiro semestre por aqui, morei com um alemão, uma francesa e uma belga, o que é, principalmente por causa das diferenças culturais, uma experiência divertida e curiosa. A vida noturna de Eichstätt é movimentada principalmente pelo grande número de estudantes. A cidade tem uma boate que funciona todas as sextas, sábados e vésperas de feriado, um espaço na Universidade a disposição para a realização de festas, e o Theke, um bar com extensa área, também subsidiado pela Universidade. Mas o destino noturno da maioria são as “WG parties”, festas que acontecem nas próprias casas dos estudantes. O esquenta para as festas é geralmente feito em um dos vários barzinhos e restaurantes da cidade.Voltar pra casa depois de uma noitada? A pé ou de bicicleta, tanto faz se acompanhado ou sozinho. Além da praticidade de tudo ser perto, Eichstätt tem um dos menores índices de violência da Alemanha.
Para os que gostam de programas mais tranquilos, a cultura também tem seu espaço, seja no cinema, no teatro ou nas galerias de arte e museus. Nas proximidades da cidade existe um parque arqueológico, de onde foi retirada parte dos fósseis expostos no Jura Museum, um museu localizado no alto do castelo da cidade, de onde a vista é espetacular. Com bastante área verde e pistas de corrida em toda a extensão do rio Altmühl, Eichstätt é propícia à prática de esportes ao ar livre ou mesmo simples caminhadas ou piqueniques. No verão, é comum ver estudantes deitados na grama, tomando sol e estudando. “Além da segurança, em uma cidade pequena é mais fácil conhecer melhor os habitantes e se integrar à cultura local. Como não há muita gente, os estudantes são mais unidos em suas atividades e festas e ajudam mais uns aos outros”, defende a belga Sandrina Dens, que deixou Bruxelas por 5 meses para estudar Comunicação em Eichstätt.
Como estudante da área de Humanas da UFG, Eichstätt era a única opção de Gustavo Carvalho para um intercâmbio acadêmico. Gostou tanto que estendeu o período de um ano por mais um semestre. Já de volta a Goiânia, ele relembra as facilidades e os pontos positivos da experiência. “Hoje, depois do intercâmbio concluído, eu optaria por uma cidade pequena como ela. As facilidades como transporte, que gera economia de tempo e dinheiro, por poder ser feito a pé ou de bicicleta, e o baixo custo de vida em relação a capitais valem a pena.” Para ele, uma parte importante do intercâmbio é a possibilidade de conhecer pessoas e criar novas amizades. “Em Eichstätt foi fácil conhecer os estudantes nativos, os demais estrangeiros e até mesmo os não estudantes. A gente vivia trombando com conhecidos na rua, o que era muito bacana. O que mais sinto falta é a incrível internacionalidade que Eichstätt tem, mesmo sendo pequena, devido à crescente quantidade de estudantes estrangeiros, trabalhadores imigrantes e até turistas. É uma cidade aconchegante mas com uma grande multiplicidade, criada pela alteração da rotina que a vida universitária traz.”
Nos finais de semana e feriados, no entanto, o movimento é realmente pequeno. É que muitos estudantes voltam para a casa dos pais em outras cidades. Mas isso não é problema. Os estrangeiros podem aproveitar para conhecer outras regiões. “As linhas intermunicipais e regionais de trem são muito bem desenvolvidas, passando inclusive nos menores municípios. Como as distâncias na Europa não são muito grandes, dá pra viajar bastante no tempo livre. Quando as opções de Eichstätt cansam, basta pegarmos um trem e em minutos estamos em uma cidade maior, como Ingolstadt, Munique ou Nuremberg”, explica a gaúcha Helena Gertz, estudante de Comunicação.
Se engana, no entanto, quem acredita que intercâmbio acadêmico se resume a festas e viagens. A carga de estudos pode ser pesada, principalmente se for em um país de língua diferente. Se o estudante ainda optar por conciliar com um trabalho, o tempo se torna ainda mais escasso. O sossego e a praticidade de uma cidade assim podem se tornar vantagens ainda maiores. “Durante a semana, se temos muito o que estudar, no período de provas, por exemplo, encontramos o sossego necessário pra isso”, completa Helena.
Para quem morou a vida inteira em uma cidade grande e movimentada, como eu, uma experiência assim pode surpreender. O risco é apenas um: problemas de readaptação ao caos da capital goianiense na hora de ir embora.

*Texto publicado no Diário da Manha no dia 1° de Junho de 2010 - Editoria DM Revista