quinta-feira, 8 de maio de 2014

Tradução: "A Copa é uma vaca gorda"

O David Klaubert, um amigo querido que dividiu casa comigo quando morei na Alemanha, está no Brasil a trabalho, pelo Frankfurter Allgemeine Zeitung. Ele é repórter e vai trabalhar durante esse período de Copa do Mundo lá no Rio de Janeiro. Começou hoje já publicando uma entrevista bem bacana, que tive muita vontade de traduzir - ai, quero viver disso um dia! - e postar aqui. A todos os fanáticos pelas figurinhas da Copa do Mundo, incluindo meu namorado, segue a entrevista.



A Copa do Mundo é uma vaca gorda

Debaixo de um guarda-sol no meio do Rio de Janeiro, *João vende figurinhas. Agora, às vésperas da Copa do Mundo, isso o torna personagem de uma entrevista. Uma conversa sobre o negócio, o valor de Neymar no mercado e a febre pelo futebol.



No centro do Rio: em frente a duas cabines telefônicas lotadas de papéis com telefones e fotos de prostitutas colados, *João, 54, construiu sua banca: quatro caixas de madeira, três cadeiras de plástico e um guarda-sol azul.  Com *José, seu assistente, ele vende “figurinhas”, como são chamados os adesivos da Panini para a Copa do Mundo. As vendas não são feitas normalmente, por pacotes fechados, mas sim em unidades.

- Quanto custa uma figurinha?
R: A partir de 30 centavos. Eu vendo 3 por um real (aproximadamente 30 cents de euro). Mas tem as mais caras: as que brilham, as de estádios e as fotos dos times custam 50 centavos. As de jogadores brasileiros custam 2 reais. E aí tem o Cristiano Ronaldo, também por 2 reais, o Messi por 3 e o Neymar, por 5. Neymar é a mais difícil de achar.

- A Panini afirma que há o mesmo número de figurinhas de cada jogador distribuídas nos pacotinhos.
R: Isso é o que eles dizem. Eu comprei uma caixa com 5 mil figurinhas. Dentro havia seis do Neymar e 4 do Messi. Dos outros jogadores tinha muito mais. Gana, Croácia, Honduras e a Espanha são fáceis de achar, só as de número 115 e 116, que se não me engano são do Xabi Alonso e Jordi Alba, que são difíceis. E a Holanda é um absurdo, é o time mais difícil de achar de todos.

- Mas os brasileiros são os mais caros?
R: Isso é uma questão de procura maior. E mais caro que o Neymar ninguém pode ser.

- E a Alemanha?
R: Deles tem muita. Não muita, muita, muuuita. Mas é ok.

- Aonde você compra as figurinhas?
R: Na banca de revistas. Um pacote com 5 figurinhas custa um real. Como eu compro muito, tenho desconto de 15%.

- E quem compra de você?
R: Isso varia, de jovens a idosos. Muitos já me conhecem e vêem aqui só pra isso. Outros passam por aqui acidentalmente. Alguns compram para filhos, netos, sobrinhos. Muitos compram pra eles mesmos. Isso é uma febre. Muito mais do que em Copas anteriores.

Até mesmo nesta manhã nublada o movimento é grande: homens de negócios de terno e gravata, empregados com uniforme de supermercado, aposentados, de vez em quando uma mulher, das quais *João se despede dizendo “obrigada, meu amor”. Quase todos com listas em mãos, com os números das figurinhas que ainda faltam, escritas à mão com letras infantis ou impressas. Estudantes controlam o avanço da sua coleção por aplicativos de smartphones. Um homem comum com seus 40 anos se aproxima para buscar um pedido que ele fez no dia anterior registrado em duas folhas de papel A4: 200 figurinhas, pelas quais ele pagou 100 reais (cerca de 30 euros).

- Não acaba a diversão quando é possível comprar as figurinhas sabendo quais são, ao invés de colecionar e trocar?
R: O legal é abrir o pacote, procurar. Mas sabe por que ele decidiu comprar as que estavam faltando?  São 640 figurinhas no álbum. Ele já tem mais de 400, e quando compra um pacote novo, normalmente a gente recebe figurinhas que já temos. Isso vira uma bola de neve e o álbum nunca se completa. Por isso chega um momento em que é mais barato comprar de mim.

- E quanto você ganha com essa venda?
R: Já ganhei um tanto razoavelmente bom, mas prefiro não falar sobre isso. Ao todo já comprei 25 mil figurinhas, e o investimento já valeu a pena.

- Quanto você vende por dia?
R: Às vezes vendo uns 200 reais, nos meus melhores dias chego a vender uns 800 e poucos reais.

- Você também troca figurinhas?
R: Sim, para conquistar novos clientes. E para aumentar a minha oferta. Eu pego três figurinhas por uma. E eu sempre troco na mesma categoria, ou seja, brasileiros por brasileiros, por exemplo.

- Quanto tempo por dia você fica aqui sentado?
R: Eu chego às 8, 9 horas e fico até umas 18h. Então eu levo meu carrinho, com minha moto, para um abrigo. As figurinhas eu levo pra casa comigo. Lá eu separo as minhas novas figurinhas, por seleção e pelo número. Às vezes é rápido, às vezes faço isso até uma, duas da manhã.

- Você consegue viver bem disso?
R: Claro que os ganhos agora são maiores. Por isso, até a Copa, o *José me ajuda por 40 reais por dia. Ele é o melhor separador de figurinhas que eu já tive. Mas isso vai rolar só mais uns 2, 3 meses. Depois passa. Existem vacas magras e vacas gordas, a Copa do Mundo é uma vaca gorda!

Na caixa ao lado das figurinhas da Copa fica uma pilha de jornais. Ele os vende mais barato que na banquinha ao lado. Ele recorta os selos promocionais e pega os prêmios para si: carrinhos de brinquedo, copos, bolas, tickets de descontos.

- Quanto você ganha quando não há Copa do Mundo?
R: O suficiente pra pagar minhas contas. Mas tem algumas semanas difíceis, em que ganho até menos de 50 reais. Por isso preciso fazer uma reserva.

- Você tem família?
R: Duas filhas, neto. Estou separado da minha esposa. Hoje moro sozinho em uma casa aqui perto. Um quarto, cozinha e banheiro. Só o aluguel custa 677 reais por mês, mais a energia, a água...

- Essa venda aqui na rua é legalmente permitida?
R: Não é exatamente permitida, mas é tolerada. Eu não vendo nenhum produto pirata do Paraguai. Figurinhas e jornais, não há nada de ilegal. Faço isso há 17 anos. Graças a Deus nunca tive problema. Se me expulsarem daqui, acaba tudo. Isso aqui é minha vida.

- O que você faz durante a Copa do Mundo?
R: Trabalho. A não ser nos dias de jogo do Brasil. Aí me encontro com amigos, assistimos aos jogos juntos e fazemos churrasco.

- E quem será o campeão do mundo?
R: Eu espero que o Brasil chegue à final. Eu vibro pelo Brasil, claro. Também por causa do trabalho. Quando o Brasil foi desclassificado na última Copa, meu negócio caiu muito. 


*Os nomes foram alterados a pedido do entrevistado.


  Texto: David Klaubert
Tradução: Ana Carolina Castro

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O que a escola deveria ensinar

Sei que não sou a primeira nem serei a última a concluir que o currículo escolar como era no meu tempo (aqui devo admitir que saí da escola já há quase 10 anos, uow!) e, ainda hoje, é um tanto defasado. Ou inadequado. Ou ambos.

O deputado federal e ex-boleiro Romário propôs que a Constituição seja estudada em sala de aula. Cheguei à mesma conclusão depois de frequentar o preparatório para concursos. Eu tenho certeza que o país seria outro se as pessoas conhecessem seus direitos desde pequenas.  Isso é imprescindível para que  se possa ser um cidadão pleno. Para questionar ilegalidades óbvias, para se impor.  A Constituição é só o primeiro exemplo. Coisas que as crianças vão realmente precisar no futuro, independente da carreira que escolherem, deveriam ser ensinadas nas escolas. 
A piadinha rola no Facebook. Eu também nunca a usei, mas porque sou jornalista e nunca precisei. Quem escolheu outros caminhos pode precisar dela e é bom que na escola se tenha noção do todo para que se faça uma escolha melhor embasada da carreira a seguir, mas não pode ser só isso. Educar para a vida não pode se restringir a educar para o vestibular (ou Enem, atualmente). E nem estou entrando em mérito de valores, que muitas vezes perpassam por posicionamento político em sala de aula. Mas é preciso ensinar na escola o que todos vão usar na vida. Nesse sentido, seguem outras coisas que acho que as escolas deveriam ensinar:

- Sistema eleitoral brasileiro. O que adianta poder votar ainda no ensino médio sendo que pouco se estuda sobre as funções e responsabildiades de cada um dos cargos eletivos? O funcionamento de partidos políticos também é algo a se tratar - quem sabe assim, alguém questiona essa farra instaurada?

- Conhecimentos bancários. Cedo ou tarde quase todo mundo terá uma conta de banco, seja pra fazer poupança, seja pra receber o salário. E/ou um cartão de crédito. Acho que seria bacana conhecer o básico sobre isso desde pequeno. Talvez pudesse entrar junto com matemática financeira. Quem sabe assim menos gente se embolaria em prestações a perder de vista? Ah, aqui poderia entrar também o tal do Imposto de Renda. Ô coisinha complexa, né?

- Noções de direção e comportamento/legislação de trânsito. As escolas até passam por esses temas, mas esporadicamente, em eventos especiais, e acho que isso deveria ser parte da grade fixa. Mas não só algo voltado para carros: discussão real da mobilidade nos grandes centros urbanos também deveria ser rotina nas escolas.

- Planejamento familiar. Sim, por que não? Nessa parte o governo é totalmente omisso. Me lembro sempre da época em que tentei pautar isso em uma entrevista na rádio em que trabalhei e simplesmente não tinha nenhuma fonte oficial sobre o assunto. Não que fontes oficiais são as únicas credenciadas a falar de algo, mas isso demonstra o quanto o assunto é tabu e é ignorado. Aí tem adultos que não dão conta nem de si mesmos e acabam tendo filhos mesmo assim, o que gera uma série de questões como abortos clandestinos, abandono de menores etc. Parece que o que reina é a mentalidade "tenha filhos, quantos quiser e puder, é natural". Sim, é natural, mas é preciso, pelo menos, fazer se pensar sobre o assunto e as responsabilidades que a maternidade/paternidade trazem. É uma criança, afinal, não um brinquedo.

- Programação/Informática. Minha gente, tudo é online hoje em dia, não adianta negar. Quisera eu ter aprendido na escola o básico sobre isso. Minhas aulas de informática se resumiam a joguinhos em CDs ROM. Sim, sou desse tempo. E eu acho que saber sobre programação não é algo que só programadores ou engenheiros da computação deveriam saber. Todo mundo usa a rede, noções básicas de seu funcionamento são essenciais.

 
Esses são os seis exemplos que me ocorrem no momento. Algo mais?

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A pressa que não leva a lugar nenhum

A sua pressa não vai acelerar o ritmo das coisas. Essa afirmação caberia a temas diversos da vida, inclusive aos mais profundos e íntimos. Porém, estes não são os objetos de análise deste texto. Escrevo sobre algo aparentemente banal, mas que revela uma possível tendência do comportamento humano, afinal, é nas ações, e não nas orações, que se percebe o que alguém de fato é.
Então vamos aos fatos: sua pressa não vai fazer a porta do avião abrir mais rápido nem o avião decolar antes do horário. Ah, é esse o tema? É. Desculpa se desapontei, mas é isso. Em 2013 quis o destino que eu viajasse muito mais de avião do que estava acostumada – o destino e as promoções de passagens aéreas, que possibilitaram isso. Quase todos os meses, a partir de julho, embarquei para o ensolarado Rio de Janeiro, em escalas por São Paulo ou Brasília. Em todas as ocasiões pude observar um comportamento que me intriga e muito.
Determinado o portão de embarque, todos se sentam ao seu redor, esperando o chamado. Mas, antes mesmo dele, alguns já insistem em fazer fila no portão. “Pedimos aos clientes do vôo 000 com destino à Felicidade para que aguardem sentados na sala e dirijam-se ao portão de embarque quando forem chamados”. Parece que aquelas pessoas em pé, na fila, têm algum problema de audição e ignoram o aviso. Ou gostam de se cansar – cada um gosta do que quiser.
Proceed to Gate aparece na tela acima do portão de embarque. Muitos não percebem que aquilo significa “encaminhe-se ao portão de embarque” e que o fato de estar sentado próximo a ele já é suficiente. A grande maioria se levanta e vai se juntar aos que formavam a pequena fila inicialmente. Forma-se um corredor de humanos e suas bagagens de mão. Continuo sentada, observando. Todos parecem entediados naquela fila, sem perceber que a opção de estar ali é deles mesmos.
Alguns minutos depois, inicia-se o embarque. “Prioridades garantidas por lei, idosos, portadores de necessidades especiais, gestantes, adultos com crianças de colo (...) clientes gold, platinum (...)” e uma infinidade de gente que não se enquadra nestes quesitos continua enfileirada com cara de tédio – alguns tentam passar na frente mesmo sem ter esse direito e são convidados a voltar, revoltados, para a fila.

 Fila - o embarque nem tinha começado

Em seguida inicia-se o embarque dos mortais pelo grupo 1. Grupo 1 é quem senta na janelinha, sempre o meu caso. Quando os primeiros entram, me levanto calmamente e me aproximo do portão. Alguns me olham torto e um até chegou a comentar “olha a fila”. Qual seu grupo? – respondo. “2”, ele responde. Pois é, sou do grupo 1. Minha vontade é mandar um beijinho no ombro, mas opto por virar pra frente e seguir. Às vezes encontro um insistente de um grupo 3 que precisa se levantar para que eu passe e sente na minha janelinha. É, a divisão por grupos existe por um motivo: evitar que uns se levantem pra outros se sentarem e tumultuar ainda mais o corredor do avião, já abarrotado de gente colocando suas bagagens no compartimento próprio a isso (vale lembrar que dá pra colocar embaixo da poltrona da frente também, mas isso é assunto pra outro post).
Sento-me, afivelo meu cinto, desligo o celular. A garota ao lado joga Candy Crush. Fecham-se as portas e o rapaz que fora um dos primeiros a ir pra fila de embarque foi um dos últimos a embarcar. Devia ser do grupo 3. Ficou quase meia hora em pé, a toa. Os comissários pedem pra desligar o celular, aviso que a menina do Candy Crush finge não escutar até que uma aeromoça simpática pede para ela fazê-lo. Neste momento vejo na aeromoça a figura de uma babá cuidando de adultos que deveriam saber que as orientações estão ali por algum motivo.
Sinal da cruz na partida, durmo feito criança com o barulho contínuo da turbina, sinal da cruz na descida. Mal o avião pousa e os afoitos já tiram os cintos e começam a se levantar. O chefe de comissários avisa que ainda é pra sentar e afivelar os cintos. O avião pára (permitam-me usar esse acento até 2016, obrigada). Todos se levantam e competem para ver quem pega a bagagem de mão primeiro. Continuo sentada, observando. O corredor está tomado de gente em pé, com cara de cansaço, reclamando da demora.

Fila - o avião mal tinha pousado

Não adianta, meus caros. Há todo um procedimento para que a porta do avião se abra. Não é um carro nem um ônibus. Exige mais logística que isso. Ainda é preciso saber onde se pegará a bagagem. Enfim, não é a sua pressa que vai fazer o processo acelerar. As coisas são assim, fim. Começam a andar, pego minha mochila estrategicamente colocada debaixo do banco da frente, o que me poupa alguns segundos, e já saio andando assim que me levanto, poupando minhas pernas da fadiga evitável e pensando: aonde as pessoas querem chegar com toda essa pressa? Não adianta, meus caros. Poupem suas pernas também.