quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Dois patinhos na lagoa

Desde pequena, ao ouvir nos bingos de Natal da família a expressao 'dois patinhos na lagoa' quando saía o número vinte e dois, eu pensava: quero fazer 22 anos só pra falar isso.
Ok, objetivo conquistado na última segunda feira, 25 de janeiro (aqui ressalto meu orgulho de ser aquariana). O fato de passar a data longe da família e de muitos dos meus melhores amigos nao pesou. Na verdade, eu gosto de 'fugir' no meu aniversário. Ano passado estava em Salvador, Bahia. Esse ano, um 'pouco' mais longe e alguns graus a menos, tipo uns 40°C, aqui na Alemanha. Os planos eram, como boa intercambista que sou, comemorar por uns 3 dias, indo em boate, fazendo festa privada e um tour pelos barzinhos de Eichstätt. Tive que mudar os planos no dia 16, depois do meu acidente no skibunda. Nao era muito recomendado que eu saísse de casa, até porque estava nevando e eu poderia escorregar na rua e me quebrar um pouco mais. Também tinha a dificuldade de eu nao poder ficar muito tempo sentada, e nao estava afim de pagar de retardada em um barzinho qualquer, em pé. Dancar, nem rolava.
Meio desanimada, pensei no mais simples: chamar pouquíssima gente (devido ao espaco limitado da casa em que eu moro), pedir pizza e, pra animar o papo, brindar meus dois patinhos na lagoa com uma tequila (queria Ypióca, que o David tem, mas a pinga nao agradou aos paladares belgas e franceses dos meus amigos).

O dia

No dia 25, pela manha, fui ao ortopedista com a Laure, francesa que mora comigo. Muito bacana da parte dela se oferecer pra ir comigo, assim eu corria menos risco de escorregar na rua e me quebrar mais (vejo gente caindo na rua quase todo dia, neve é uma loucura), mas nao deixei de estranhar o fato de ela nao me dar parabéns. Quem deu o primeiro parabéns alemao foi a recepcionista do consultório médico ao anotar a data do meu nascimento, impressa no meu cartao do seguro de saúde público alemao (AOK). Mesmo assim, a Laure nao disse nada. Ainda comentei sobre mensagens e parabéns que já tinha recebido dos meus amigos brasileiros. Nada. Ela só foi se tocar quando entramos em casa e o David soltou 'Alles Gute zum Geburtstag Ana!'
Aí caiu a ficha dela, ela pediu 10 mil desculpas e eu fiquei pensando: nao sou a única pessoa lerda no mundo, haha.
Almocei nuggets com purê de batata sem sal e ketchup. E, sem muito o que fazer, me dei de presente um cochilo vespertino. Acordei às 6, a reuniaozinha em casa estava marcada pras 9. Bateu preguicinha aguda e eu nao queria mais receber ninguém. Mas aí o pessoal aqui da casa me deu uma animada, comecaram a arrumar tudo, e eu fui empolgando. Às 8, quando eu estava lavando e guardando vasilhas, toca a campanhia. Todo mundo chegou de uma vez, uma hora adiantado. Nao estava arrumada nem nada. Saí correndo, me arrumei um pouco, pedi licenca pra ligar pros meus pais e pros meus avós via skype e, nesse meio tempo, todo mundo sentou no chao ou em cadeiras na sala e ficaram conversando uns com os outros, mas a sensacao que eu tinha era que todo mundo tava entediado. Nao sabendo bem o que fazer, tentei colocar música brasileira animada pra tocar, mas nada vinha na cabeca (branco total, ando ouvindo muito britrock e as brasileiras sao, na maioria, mais lentinhas, tipo Pato Fu, Skank, Zeca Baleiro, Tom Jobim...). O David só tinha pagode ou funk. Nem rolava. Acabei colocando o CD do MGMT mesmo. E todo mundo com fome. Vamos pedir pizza entao. A ideia era pedir umas 5 pizzas grandes, pra 12 pessoas, tava bom né? Nao, nao estava. Choque de culturas parte 1 - as pessoas aqui comem, sozinhas, uma pizza de 28 cm de diâmetro. Quando eu sugeri 5 pizzas família, todos os estrangeiros perguntaram por que nao uma pra cada. Ahn? Esse povo come muito, mesmo. E eu nao tinha grana pra pagar tudo, logicamente, entao tive que explicar que cada um ia ter que pagar a sua. Meio tenso, mas né? 70 euros só em pizza nao dá nao amiguinhos. Todo mundo concordou, meio de cara feia, mas né? Só lamento. Aí chegou a hora de escolher os sabores. O Ygor quase morreu de rir quando eu disse que queria frango com catupiry. Obviamente aqui nao tem. As belgas acharam nojento eu querer comer pizza de frango! Choque de culturas 2. Todos queriam, deseperadamente, pizzas de LEGUMES. Blérgh. Quando o Ygor contou que no Brasil rola pizza de chocolate, morango, banana, sorvete, etcs, a única pessoa sensata que pareceu gostar da ideia foi a Sandrina, que AMA chocolate de paixao. Todo o resto torceu o nariz. Pizza de legumes é que é bom mesmo né... haha.
Aí fomos pedir, já cientes de que teríamos que buscar, porque aqui nao tem tele.entrega. Choque de culturas 3. Aí o telefone nao atendia! Eram 9:30 da noite e todas as outras 4 pizzarias que tentamos nao atendiam mais o telefone. Ahn? Choque de culturas 4. O que fazer entao? Dessa vez todo mundo concordou que esse pessoal de Eichstätt é preguicoso e nao sabe ganhar dinheiro. O Julian justificou pelo fato de Eichstätt ser pequenininha e tal.. mas pôxa, nao dava pra atender pedidos até as 10 pelo menos?
O que nos restou foi Mc Donalds. Ok. Pedi um Mc Menu Royal, de cheddar, que nao sei se tem no Brasil, mas que é muito bom, tirando o mar de cebolas. Com tudo anotado no meu caderno da faculdade, o Julian perguntou quem ia com ele buscar. Mc Donalds nao faz entrega em Eichstätt. Ok, eu moro em uma cidade quase fantasma após as 5 da tarde. Mas opa, Mc Donalds nao faz entrega em lugar nenhum! - defendeu o Julian. Ahn???? Aí todos os outros europeus concordaram. Ahn²? Foi aí que descobri que Mc Donalds nao faz entrega na Europa. Nem nenhum outro fast food. Vivendo e se surpreendendo. Choque de culturas 5.
Julian voltou com os nossos lanches, peguei uma pizza que tinha no freezer e mais uma que o Michael, alemao que mora com o Ygor, trouxe também a meu pedido de socorro, pros demais que viriam mais tarde. No final deu tudo certo, todo mundo comeu. Mais aliviada e ainda boba de descobrir essas diferencas culturais, consegui comecar a aproveitar meu próprio aniversário.
Chegou entao a hora dos presentes: já tinha ganho um saco de feijao preto da Helena (Tschüss Anemia), dois buqueêzinhos de tulipas e duas caixinhas de chocolate suíco Lindt, do Ygor e do Michael e 12 bolinhos de chocolate tipo de Petit Gateau que o Johann, francês, cozinhou pra mim. A Lotte me deu o 4° livro da saga Twilight em inglês, mas ainda nao li o 3°. E aí a Laure e o David seguravam, cada um, um pacote embrulhado com papel de jornal. O primeiro foi o que estava nas maos da Laure, e era em nome das belgas e dela. Uma caderno vermelho. Uma foto em cada página, de momentos que eu já vivi por aqui, principalmente com elas. Alguns comentários. Nózao na garganta, segurei o choro (nem tanto) e só conseguia pensar no tanto que eu ia sentir falta dessas meninas, e no fato de que as belgas vao embora em duas semanas. Eu nao quero nem ser eu de tao triste que vou ficar... No caderno, pouco menos da metade ainda em branco, Porque você ainda vai viver muita coisa boa por aqui Ana, é isso que a gente realmente te deseja, explicaram. Aí eu nao consegui segurar o choro.
Fui abrir entao o presente do David, que estava embalado em forma de bombom gigante, e os lacos laterais era de CADARCO (cedilha) de tênis. Já morri de rir. Suspense. Quando terminei de rasgar o pacote, quase caí de tanto rir (seria um desastre se isso acontecesse, nas minhas atuais condicoes de saúde). Um pacote daquelas folhas de massa, pra fazer lasagna, sabe? Junto, um papel com a receita de lasagna e um outro, escrito 'válido até 13 de fevereiro para uma lasagna na WG Antonistraße 59'. O 13 de fevereiro é o dia que a Sandrina vai embora (glup, engole o choro Ana).
Já explico o contexto do presente: no meu primeiro mês aqui, eu quis comer lasagna. Aí fui no supermercado comprar uma daquelas semi prontas. Meu alemao era bem pior do que ainda é, entao eu fui pela embalagem. Vi a fotinha da lasagna e comprei, toda sorridente. Quando já ia ligando o forno, abri o pacote e me deparei com as malditas folhas de fazer lasagna, e só elas. Haha, mas que burra! Pra completar, achei que se colocasse carne moída, presunto e queijo em camadas intercaladas pelas folhas de massa e colocasse no forno, ia dar algo. Nem passou pela minha cabeca a necessidade do MOLHO, e depois de alguns muitos minutos, minha 'lasagna' era uma massa preta, queimada, totalmente seca (é a lógica das coisas) e nao comestível. Daí o humor do presente. David engracadinho, haha.
Aí fiz um mini discurso de aniversário em alemao, agradecento todo o carinho e consideracao comigo, e fomos cantar no karaoke que o Julian trouxe, e que foi a estrela da festa, junto com a Tequila (eu, tomando remédios, fiquei de fora dessa parte, mas tudo bem). A cantoria se seguiu até as 3 da manha. Alguns amigos brasileiros acompanharam um pouco via skype. Britney Spears, Spice Girls, Oasis, Black Eyed Peas, Bloohound Gang, Avril Lavigne e, como estamos na Alemanha, Die Toten Hosen, animaram a cantoria.
Eu sempre quis que meu aniversário de 22 anos, os meus tao esperados 'dois patinhos na lagoa', fossem inesquecíveis. E o melhor presente de aniversário foi ter, mesmo acidentada, conseguido! Seja pelas minhas descobertas culturais, seja pela noite realmente simples e divertida (adoro coisas simples). Fica clichê dizer que um lugar é feito de pessoas né? Desculpa, mas é mesmo.
E aqui vao as responsáveis:

Mitbewhoneren


Pessoas e Mc Donalds



Acho que eu estava me divertindo mesmo

Eu vou morrer de saudade

Arrumando a casa, Laure, pro lixo!

Dois patinhos na lagoa!

domingo, 24 de janeiro de 2010

Mais um pedacinho de Garmish

Sandrina escorregando com o pô, que significa bumbum, eu fazendo graca, pra variar, e levando, literalmente, um banho de água (em forma de neve) fria.


Montanha Russa 2

Sim, de novo o fenômeno da montanha russa na minha vida, exatos 8 dias depois de todo o caos aeroportuário de volta à Alemanha.

Skibundiando

A Katolische Universität Eichstätt Ingolstadt fica, como o nome já diz, em Eichstätt (aqui) e em Ingolstadt, aqui do lado, cidade da fábrica da Audi. Carinhosamente conhecida como KUEI ou somente KU, recebe todos os semestres vários estudantes intercambistas, europeus ou nao (como eu) e também exporta vários deles. Esse semestre foram 80, no total, que vieram pra cá. Pra socializar e ajudar todo esse povo, existe a AK Internacional, uma organizacao da própria universidade encarregada de ajudar os estudantes estrangeiros a se adaptar por aqui, ajudando em questoes burocráticas como moradia e papelada, mas também em questoes vitais, como festas e excursoes. (Intercâmbio sem festas e excursoes nao é intercâmbio, por isso o bom uso da palavra vital). Logo que chegamos por aqui, medrosos e acanhados, recebemos um livreto com a programacao de excursoes. Lá dizia: em meados de janeiro, prevista excursao para os alpes.
Foi, de todas as outras, a que eu mais esperei!
Quando cheguei em Eichstätt da Inglaterra, abri meu email e lá estava marcada a data: dia 16, excursao para Garmish Partenkirchen, Rodeln. Rodeln = skibunda
Garmish é uma pista de ski bem famosa, que fica ao sul da Alemanha, quase fronteira com a Áustria. Foi sede de uma das edicoes dos jogos olímpicos de inverno na década de 70 e vai ser da copa do mundo de esportes de inverno em 2011. A coisa é bruta. E eu paguei empolgadíssima os meus 30€ pelo transporte e aluguel da 'coisa' que a gente usa pra skibundiar. 10€ seriam devolvidos no fim da excursao (aqui você paga a mais e recebe de volta depois sempre, tipo calcao - com cedilha).
O ônibus sairia da Banhof, a estacao de trem de Eichstätt, às 7:15 da manha. Mesmo assim, ainda fomos em uma festa de aniversário de uma francesa cujo tema era 'vampiros' (muuuito bom) e voltamos duas da manha pra casa.
7:15 do dia 16 estávamos já dentro do microônibus que nos levaria a Garmish. Saímos com algum atraso. Dormi o caminho quase todo, com ajuda do MP3 da Laure e seu bom gosto musical. Rolou um congestionamento de quase uma hora na chegada da cidade, a maioria dos carros com equipamentos de ski e snowboard. Minha empolgacao só aumentando. Nao via a hora de me jogar na neve!
Chegamos e já reparamos na beleza do local. Parece foto, de tao bonito. O sol estava brilhando, o céu de um azul claro lindo. Paisagem perfeita.


Alpes vistos ainda do microônibus


Fomos finalmente pra estacao pegar nossas paradinhas de skibunda, e subimos com uma espécie de bondinho, de dois em dois.

Chegada na estacao de ski



Fotografando a Laure me fotografar


Bondinho que nos leva pra cima da montanha

A subida demora uns 10 minutos. Tudo bem, a beleza do lugar faz parecer que demora 1. Eu nao conseguia parar de tirar fotos e falar pro Julian, que estava no carrinho comigo, o quanto aquilo tudo era muito lindo, absurdamente lindo.

No bondinho na primeira subida


Vista do bondinho - Garmish Partenkirchen, alpes alemaes

Nos demais carrinhos, minhas melhores amigas estrangeiras: Lotte e Jolien, Laure e Sandrina. Desembarcamos no topo da montanha, pegamos a 'coisa' e, esperando os demais da excursao, brincamos de guerrinha de neve e tiramos fotos.

No topo, foto pra porta retrato


Aí comecamos a descida. Eu nao me lembro, até hoje, de ter feito algo mais divertido na minha vida! É perfeito! Como a montanha era bem alta, logicamente nao descemos tudo de uma vez. Sao trechos e mais trechos. Depois de cada um deles uma superfícia plana, onde precisamos levantar e andar um pouco até a próxima descida. A 'coisa' nao tem freio.

Julian e Lotte com seus respectivos skibundas

A coisa que a gente usa pra skibundiar (no caso, sao duas)

O freio sao seus pés, mas lógico que nem sempre funciona, afinal, é gelo, entao a dica quente é pular da coisa e se jogar na neve mesmo.

Em uma das minhas freiadas, pouco molhada

5 minutos de descida e eu já estava enxarcada, parecendo que tinha feito xixi nas calcas (cedilha, por favor). E além de toda diversao proporcionada pelas descidas, que é de fato inexplicável, ver o tombo das minhas amigas, todo mundo comendo neve, ah, é muito bom. Foram 40 minutos rindo sem parar, e exatamente por isso a gente, mesmo enxarcado de neve, nem sente frio. Foi um dos momentos 'eu sou feliz e sei' que eu mencionei no post anterior. Indescritível.

Pessoal da excursao

Nossos tickets davam direito a 3 horas de brincadeiras usando o bondinho pra subir a montanha. Tinhamos gasto pouco mais de 1 hora já, e resolvemos ir pro segundo round. Dessa vez fui no carrinho com a Sandrina, que nao parava de dizer que achava legal, ok, mas que achava muito perigoso também, porque ela queria ir pra um lado e a 'coisa' ia pro outro, ela queria freiar e a coisa nao freiava. E eu falando que nao era perigoso, que só bastava se jogar na neve e pronto. Que a gente ia ficar meio quebrada no fim do dia, provavelmente, mas nada demais. Só a Sandrina estava com medo. O restante do grupo estava totalmente empolgado e êxtasiado, como eu. Comecamos entao a descer novamente a montanha. Dessa vez eu já tinha mais técnica e conseguia controlar melhor a 'coisa', usando o peso do corpo, os pés e as maos (com luvas apropriadas, claro). Já estava me sentindo quase campea brasileira de skibunda.

Quebrando

Aí chegamos em um trecho cheio de falhas, que é o mais tenso. As falhas nos fazem pular um pouquinho, como um monte de quebra moles, sabe? Mas, no caminho que eu peguei, sabe-se lá de onde surgiu, dei de cara com uma falha muito maior que o habitual. E assim que vi, já sabia: me ferrei.
A falha devia ter a minha altura ou um pouco mais, eu estava em uma velocidade considerável, e caí sentada. Ouvi o crack e senti a dor. A Jolien caiu do meu lado. Eu soltei um 'ai' de dor e a Jolien disse, rindo, 'dói né?'. Eu concordei, mas nao ri, e disse que, no meu caso, estava doendo de fato, e eu tinha certeza que tinha me machucado de verdade. Fiquei ali estirada na neve até todos os outros chegarem e me ajudarem. Consegui me levantar e andar alguns metros pra sair do meio da pista, onde poderia ser atropelada a qualquer momento. Deitei no trenózinho da Jolien, que era diferente da minha 'coisa', e fiquei ali, respirando fundo.

Coisas que passaram pela minha cabeca, exatamente nessa ordem:
1) machuquei as costas, mas se levantei e andei, nao deve ter sido tao grave.
2) droga, nao vou poder continuar descendo de skibunda
3) pera aí, como que eu vou conseguir sair daqui entao?
4) que frio do caramba
5) que dor do caramba. Será que foi mesmo sério?

Aí, gracas a Deus, o Julian tinha um celular com créditos, e ligou pedindo socorro. Disseram que me buscariam com um carro. Como assim um carro no meio de uma montanha de neve? O Julian explicou que era um carro de resgate especial para neve. Ok.
Aí o carro nao chegava, eu estava com dor, e com frio, e comecei a ficar, de fato, com medo. As pessoas passavam e perguntavam se estava tudo bem, se já tinhamos chamado socorro, se precisávamos de algo. E quanto mais demorava, mais eu ia me desesperando. E vendo todos os meus amigos ali, parados, congelando, esperando pelo socorro também, bateu aquela sensacao de estar atrapalhando a diversao da geral, e eu comecei a chorar. Pelas circunstâncias, até que demorei pra comecar. Todos me acalmaram, dizendo que nao ia ser nada tao grave, só um susto.
Comecei a rezar pra que estivessem mesmo certos. Até que ligaram no celular do Julian avisando que me buscariam sim, mas de helicóptero. Uaaaau! Cheguei a sentir uma pontinha de empolgacao, me senti em um filme, daqueles com resgates na neve com helicópteros. Faltou só um Sao Bernardo bem grande e peludao pra trazer água pra mim na coleira. A verdade é que eu me agarrava a qualquer pensamento aparentemente idiota, porque eu nao queria acreditar de fato que algo realmente sério poderia ter acontecido.
As meninas terminaram de descer, nao fazia sentido todo mundo ficar ali, congelando e me esperando. O Julian e a Sandrina ficaram. O helicópero amarelo chegou, jogou neve na cara de todo mundo, e entao fui resgatada, exatamente como nos filmes, imobilizada, injecao de remédio contra a dor (isso doeu), perguntas em alemao e pressa, muita pressa. Me deitaram dentro do helicóptero, colocaram um fone de ouvido por causa do barulho das hélices e em minutos estávamos pousando no hospital.
Fiquei deitada em uma maca na sala de espera. Um pouco mais tarde o pessoal chegou. Eu nao estava com tanto medo assim, mas, sei lá porque, nao parava de chorar. As lágrimas saíam involuntariamente. Fui fazer entao o raio x. Bati um super papo com o radiologista, que contou que queria ir pra Sao Paulo em fevereiro, pediu dicas de companhias aéreas que fazem a rota Europa - Brasil, etc etc. Ele elogiou bastante meu alemao, o que me deixou feliz. Aí quando o exame foi feito, e ele voltou da salinha de análise, a feicao dele era outra. Ele estava sério. E eu pude enxergar nos olhos dele que haviam lágrimas ali. Aí me preocupei. Perguntei o que havia acontecido, e ele, bem baixinho, sem a simpatia e o sorriso da conversa anterior, apenas respondeu que meu médico ia me falar e que torcia muito por mim, que eu era uma menina muito doce.
Fui levada entao pra uma salinha com umas figuras do esqueleto humano na parede. O médico entrou, todo sério, e comecou a explicar que eu tinha quebrado dois ossos nas costas, tudo isso mostrando as tais figurinhas na parede. Na hora pensei que nao poderia mais voltar a andar. Aí o desespero tomou conta e eu chorei de fato. Ele disse que eu teria que dormir no hospital, e que durante a noite ele e os outros médicos iriam pensar se eu fazia cirurgia ou nao. Se havia a possibilidade de nao fazer cirurgia, entao nao podia ser tao mal assim, pensei. Com medo, perguntei se isso poderia afetar meus movimentos. Ele disse que andar eu poderia, com certeza, porque o osso quebrado foi em uma parte externa, nao perto do nervo central da nossa coluna, mas que a recuperacao poderia ser consideravelmente demorada, e que coluna, de uma forma ou de outra, é sempre grave. Fiz o que podia fazer. Continuei chorando. Enquanto chorava, o infeliz do enfermeiro inexperiente tentava me furar com uma agulha na mao pra passagem do soro. Perguntei por que nao na dobra do braco, onde a minha veia era visível. 'Nao, a gente fura a mao'. Mas ele nao achava a veia por nada. Levei três furadas doloridas na parte de cima da mao até que ele desistiu e resolveu furar a dobrinha do braco logo. Infeliz.
Quando reencontrei todo mundo, todos já tinham detalhes do que tinha acontecido. A Lotte e a Jolien iriam dormir em Garmish, em um hotel pago pela AK, e no dia seguinte me visitariam de manha e iriam embora. A tarde a Sandrina e a Laure viriam com minhas coisas e com o meu celular. Agoniante nao poder mandar mensagem pra certas pessoas que eu tinha certeza que estavam muito aflitas sem notícias.
Comprei um cartao telefônico pra fazer funcionar o telefone do quarto do hospital, que é telefone - TV e vc tem que 'alugar'. Tem que ter dinheiro no cartaozinho até pra receber ligacao. Liguei pro meu pai. Nem preciso contar o quanto foi difícil acalmá-lo. Dei a notícia bem rápido e desliguei o telefone. As meninas trouxeram coisas básicas, como escova de dente e pasta, ficaram comigo até o término da hora da visita, às 8. Eu dividia o quarto com uma senhora, Frau Schmidt, que havia sofrido um acidente de ski, quebrado o fêmur, e tinha operado e colocado três pinos na perna. Conversamos um pouco, e eu adormeci cedo. Acordei várias vezes de madrugada, de forma abrupta, tremendo o corpo todo. Sinais claros de que eu ainda estava em choque. Domingo às 7 entraram no quarto, mediram a pressao e a temperatura. 7:15 chegaram os médicos, conversaram com a enfermeira um pouco, falaram que eu nao precisaria fazer cirurgia mas que teria que ficar alguns dias no hospital. Quantos? Ainda nao sabiam. 8:15 chegou o café da manha, que eu deixei quase intacto. Aí eu disse pra enfermeira que queria fazer xixi, e que nao queria fazer na bacia de novo nao, como tive que fazer no dia anterior (quem já teve que fazer xixi deitada, na bacia, por nao poder se levantar, sabe o quao terrível é isso pro nosso psicológico). Ela disse que tudo bem, que me ajudaria a ir ao banheiro andando. Na hora que eu levantei, no entanto, tudo ficou preto, eu caí de volta na cama e, de repente, o corpo todo adormeceu. Eu nao conseguia mexer minhas maos, meus pés, minhas pernas, meus dedos. Minhas duas maos comecaram a se dobrar, involuntariamente, e eu achei que ia quebrar os pulsos. Tudo que eu conseguia mexer era a cabeca. Desesperador. Na hora tive quase certeza de que a coisa era mais séria do que parecia ser e que algo tinha afetado meus nervos na coluna sim. A enfermeira chamou o médico, me levaram correndo pra CTI, tipo UTI, e pediram pra eu respirar fundo, e mais fundo. Os meus pulsos pareciam que iam explodir. Eu nao me lembro de nenhuma sensacao pior na minha vida. Na CTI colocaram tubos no meu nariz e mandaram eu soprar um saco com toda a forca que eu pudesse. Depois de alguns minutos da maior tensao do mundo, eu consegui sentir meus dedos, maos, pernas e pés de volta. Perguntei se tudo isso tinha a ver com a minha coluna, e o médico foi enfático na negativa, dizendo que faltou oxigenacao no corpo por eu ter ficado muito tempo deitada, e que nao tinha mesmo nada a ver com a coluna. Mas eu nao estava acreditando muito, e ainda estava muito nervosa. O que me lembro depois é que estava novamente no quarto do hospital. Me deram sedativos pra dormir, pensei. As meninas tinham ido me ver, nao me encontraram e deixaram uma carta. Algumas horas mais tardes a Sandrina e a Laure chegaram. Pedi pra enfermeira novamente pra ir no banheiro, mas dessa vez, respirei bem fundo e fui bem devagar. Consegui ir andando normalmente. Consegui fazer xixi normalmente. Saí do banheiro e a Frau Schmidt estava ouvindo música. Até brinquei que queria dancar. Estava, também nao sei porque, tranquila. Acho que meio grogue ainda.
As meninas trouxeram meu celular, cheio de mensagens, como eu já previa, de um certo rapaz desesperado por notícias, achando que eu tinha morrido congelada. Respondi as mensagens explicando que congelada nao, mas que nao estava tudo bem também nao. Contei o ocorrido com o coracao na mao, sabendo que estava causando uma preocupacao enorme nele e nos meus pais também. Isso foi uma coisa que pesou muito: as pessoas que mais me amam, e vice versa, estao todas a 10 mil km de mim. Mas percebi também o quanto fiz excelentes amizades nesses 4 meses de intercâmbio.
Os demais dias foram tranquilos, rotineiros. Sempre a medida do pulso e da temperatura às 7, os médicos 7:15, café 8:15, almoco 12:00, chá 15:00, janta 17:30, injecao contra trombose na barriga às 19:15 (isso dói demais).
Conseguia andar, passear pelo hospital, tomar banho sozinha. Precisava de uma ajuda ou outra pra me vestir. Mas, no geral, estava muito bem, e estava me sentindo feliz, porque tudo que eu conseguia pensar é que poderia ter sido muito, muito pior.
Só que a rotina era muito entediante. Nao aguentava mais ler Entrevista com o Vampiro. Nem as revistas de fofoca em alemao gentilmente cedidas pela Frau Schmidt.

Tédio no hospital

Recebemos mais uma colega de quarto, Frau Oswald, que roncava muito alto. Nao recebi visitas porque todo mundo estava estudando em Eichstätt, em uma das semanas mais decisivas, cheia de trabalhos pra apresentar. Inclusive, perdi a apresentacao sobre Novas Mídias que tinha que ter feito com a Sandrina. Eu tentava nao pensar nas consequências acadêmicas, e continuo tentando nao me importar muito, afinal, acidentes acontecem. Uma das coisas que me ajudou a aturar a rotina foi a vista do quarto do hospital. Tenho sorte com vistas.

Vista da janela do hospital

Me sentia muito bem e tinha certeza que podia ir embora pra casa. Pôxa, eu moro bem atrás de um hospital em Eichstätt, tinha mesmo que ficar plantada ali, em Garmish, longe dos meus amigos? Ironia demais do destino pra minha cabeca.
Eu jurava que ia recber alta na quarta feira, mas o médico cortou minha onda e falou que talvez na quinta. Aí na quinta de manha acordei, fiz exames, passeei pelo hospital, constatei que deve ser pré-requisito contratar enfermeiros muito bonitos (mesmo), voltei pro quarto, tomei banho, e depois soube que ia poder ir embora. Julian e Ygor me buscaram de carro. Me despedi das minhas colegas de quarto, pelas quais peguei considerável afeicao, afinal, eram minhas companhias diárias. Uma das enfermeiras também me marcou bastante, uma senhora muito simpática mesmo. Mas nada tao bom quanto ver os meninos. Paguei o que tinha que pagar (o seguro cobre grande parte, mas nem tudo), entrei no carro com todo cuidado do mundo, sentada na almofadinha de sentar que tive que comprar, e finalmente, duas horas depois, cheguei em Eichstätt, na minha casinha linda.

O que realmente importa

Fui recebida por meus mitbewhoneren (Sandrina, Laure e David) e pela Jolien com cartazes na porta do meu quarto. 'Welcome Back' (porque as meninas nao sabiam como escrever seja bem vinda) e um escrito 'Bis heute abend' - até hoje a noite.

Cartaz na porta do meu quarto (eu sei, nao dá pra ler na foto, mas é só pra registrar)

Abracei todo mundo com muito cuidado, agradeci muito ao Julian por ter ido me buscar no hospital e senti um cheiro forte de chocolate. Comentei sobre o cheiro e a Sandrina disse 'fizemos fondue mas já comemos tudo'. Nem escondi minha frustracao, pensei 'nossa, que paia, elas sabiam que eu ia voltar hoje e nao deixaram pra mim.. que estranho'. Mas aí fui pensar nas coisas práticas. Eu devo ficar em pé ou deitada. Sentada é a pior coisa. A nao ser que seja em uma cadeira bem alta, de altura regulável, que em alemao chama Stehstuhl e custa 40€. Nao posso agaxar. Nao posso virar pra um lado e pro outro bruscamente. Nao posso movimentar a coluna. O resto posso tudo. Mas minha cama é um beliche, com colchao só em cima, e nao tem chance nenhuma de eu conseguir subir nela desse jeito. Logo, Laure dorme no meu quarto e eu no dela, o que nao é legal, porque ela tem uma super cama de casal e um super quarto enorme (e paga mais caro por isso), enquanto eu tenho um beliche de solteiro (existe beliche de casal?) e um quarto miniatura, e pago bem mais barato por isso. Queria comprar uma cama normal na loja de usados absurdamente baratos aqui em Eichstätt, mas simplesmente nao tem lugar pra pôr a cama. Pedi mil desculpas pra Laure por isso, mas ela foi super fofa e disse que tudo bem, que o mais importante era minha saúde. Aí fui ligar finalmente meu computador, ler emails e dar notícias, e enquanto estava no meu quarto, a Lotte chegou. Me abracou, fez festa, etc etc. Continuei no pc distribuindo emails de notícias, inclusive pros meus grupos de trabalhos acadêmicos, quando ouco uns barulhos suspeitos. Tento ir pra cozinha ver o que se passa e a Laure nao deixa. Saquei que elas estavam aprontando alguma coisa. Acertei: o cheiro de chocolate era de um bolo que elas tinham feito pra mim, e a Sandrina tinha comprado uma Pepsi porque no hospital eu disse que sentia falta de refrigerante!
Liiiindas!

Bolo de chocolate feito pra mim

Manteiga derretida que sou, contive o choro. Mas acho que consegui demonstrar toda a alegria que elas me proporcionaram. O que realmente importa é que, mesmo quebrada e a 10 mil km de casa, eu estou cercada dos melhores amigos que alguém pode ter.

Cereja do bolo: sexta feira recebi a visita do Johann, francês, amigo do curso de alemao. Veio trazer a matéria de alemao que eu perdi nas aulas e trouxe também vários bolinhos de chocolate, que se parecem com bolinhos de petit gateau, deliciosos, feitos por ele mesmo. Uma graca!
Sábado recebi visita surpresa da Helena, de quem perdi o aniversário, que foi dia 21, justamente dia que eu cheguei do hospital. Trouxe tulipas lindas que fecham a noite e abrem de dia.




Sábado a noite recebi a visita do Martin, alemao amigo do David, meu amigo também, o que nos levou no Allianz Arena. Trouxe filmes pra eu assistir (apesar de que já tinha assistido todos, mas valeu demais a intencao) e uma caixa de chocolates. Ele disse que acha interessante o modo como o brasileiro vê as coisas: mesmo na merd*, a gente sempre dá um jeito de procurar ver o lado bom das coisas, coisa que alemaes (europeus no geral) nao têm talento pra fazer. Gostei ainda mais um pouco do fato de ser brasileira. Amanha é meu aniversário e os mais chegados já avisaram que vao vir comemorar aqui e brindar, porque apesar dos baixos (as vezes bem baixos) que eu vivo, eu tenho também muitos 'altos', e mais importante de tudo: eu tenho amigos, tanto aí no Brasil quanto aqui, e todos, de certa forma, estao comigo. No final, isso é o que realmente importa, e com isso qualquer dificuldade se torna lidável. Tenho um tratamento todo pela frente ainda, nao vou poder fazer tudo que planejava pras minhas férias de inverno aqui, vou precisar fazer fisioterapia e tudo mais, mas, repito, com apoio da fé, de amigos e pessoas que nos amam, tudo se torna lidável.


Ps: você pode achar que eu sou uma pessoa extremamente azarada. Eu, por incrível que pareca, ainda consigo enxergar o quao sortuda eu sou. E me orgulho por isso.
Ps2: apesar dos pesares, nao, eu nao me arrependi do skibunda. É massa demais, e daqui uns anos eu faco de novo! Se Deus quiser! (mas sem a parte 2, please)
Ps3: pedido de aniversário: ficar sem fazer posts sobre o fenômeno da Montanha Russa por um booom tempo, sim?

Sobre montanhas russas 1

Minhas andancas pela Holanda e pela Inglaterra no fim de 2009 e início de 2010 foram momentos daqueles que você pára, observa, e conclui que vai contar pros netos. Sao os melhores momentos da vida. Aqueles que você é feliz e sabe que o é. Acontece que existe um fenômeno muito recorrente na minha vida (talvez nao só na minha). O fenômeno da montanha russa. O princípio é simples: tudo que sobre, desce. Mas na montanha russa, isso acontece muito rápido, que chega a nos deixar zonzos. Exatamente isso que acontece frequentemente comigo.

Querendo ir embora e nao podendo

Ok, eu sei que foi lindo, me diverti horrores, e repeti pra mim mesma que nao queria ir embora da Inglaterra, e sim morar em Liverpool, trabalhando de preferência no Museu dos Beatles. Mas era só uma brincadeirinha. O fato é que a Inglaterra nao queria que eu fosse embora de lá, mas eu precisava ir.
As notícias de nevascas pesadas já me deixaram apreensivas assim que o Ray, ainda em Liverpool, falou sobre elas. Apreensiva, mas nao preocupada de fato. Voltamos (eu, Carlos e Octávio) pra Londres, dormimos em um Hostel bacana e no dia seguinte nos separamos. Eles com destino a Stanstead, eu, a Gatwick. Sao dois aeroportos localizados completamente em lados opostos da regiao de Londres.
O vôo da Easyjet com destino a Munique estava previsto para 2:45 da tarde. 10 da manha deixei o Hostel depois de tomar café, peguei o metrô pra Victória Station e de lá o ônibus pra Gatwick (7,50 pounds). Nada de neve em Londres. Mas Gatwick fica um tanto considerável fora de Londres (na metade do caminho entre Londres e Brighton), e aí sim a paisagem comecou a ficar branca, e branca, e mais branca.


Pensei na possibilidade do vôo atrasar e eu chegar em Munique tarde, sem jeito de pegar trem pra Eichstätt. Seria ruim. Mas tudo que é ruim, pode piorar. Cheguei em Gatwick e o aeroporto estava totalmente fechado. O pessoal da Easyjet recomendava que mudássemos nossos vôos gratuitamente online. Ok, meu notebook nao tinha bateria mais e as tomadas da Inglaterra sao diferentes das tomadas do resto da Europa, sabe-se lá porquê. Tentei trocar de companhia (tinha o direito a isso também), mas todas elas nao estavam operando. O aeroporto estava totalmente fechado, sem previsao de abrir de novo naquele dia. Sem ter muito o que fazer, paguei mais 7,50 pounds e voltei pra Londres, pensando em passar no guichê da Eurolines (empresa de ônibus), comprar uma passagem e embarcar no primeiro ônibus rumo a Munique. Depois eu pediria o reembolso (ao qual eu também tinha direito) pra Easyjet. Só que a atendente do guichê da Eurolines, uma senhora extremamente antipática, informou que o próximo ônibus pra Munique só saía no DOMINGO. Aí bateu um desesperozinho. Procurei uma lan house ali perto da Victoria Station, paguei o equivalente a 5 reais por uma hora de internet e comecei a procurar meios alternativos de ir embora. Nadinha. Voltei pro Hostel Astor torcendo pra que ainda tivesse vaga pra eu dormir por lá. Felizmente tinha. E felizmente o pessoal do Hostel era muito bacana e prestativo. Expliquei o ocorrido, eles me emprestaram um adaptador de tomadas pra eu carregar meu notebook e me deram um cartaozinho extra pra eu usar 40 minutos de internet free. Mas guardei o cartaozinho e fui usar a wireless no Mc Donalds atrás de informacoes, contato com família e amigos e um jeito de mudar meu vôo pro dia seguinte. Aí no Mc Donalds eu descobri que a previsao era de mais neve no dia seguinte, e que Gatwick seguia fechado. Isso era uma quarta feira. A previsao de neve ia até sábado. Eu tinha algum dinheiro, mas nao era suficiente pra gastos com hospedagem, alimentacao e o transporte pro aeroporto. Comecei a me desesperar de fato. Estava totalmente sozinha em Londres, sem nenhuma boa perspectiva. Dei uma checada no site de outros aeroportos. Heathrow, o mais perto de Londres, era o que menos estava sendo afetado, mas apenas companhias muito caras, como Lufthansa e British Airways operam por lá. O vôo da Lufthansa pra Munique no dia seguinte custava 400 pounds! Eu tinha pago 35 pela Easyjet...
Stanstead nao estava totalmente fechado, mas operava com muitos cancelamentos. Reparei que o vôo dos meninos pra Graz, na Áustria, tinha sido cancelado também. Pensei na hipótese de eles terem, como eu, voltado pra Londres. Mas eles nao tinham celular. Mandei um email dizendo que estava no mesmo hostel, mas nao tinha muita esperanca de que eles pudessem ler o email.
Nesse momento de desespero total, sentou do meu lado um rapaz chamado Daniel. (Ironias do destino parte 1). Chileno, hospedado em um hostel ali por perto também, mas nao o mesmo. Perguntou se podia me ajudar, porque eu estava chorando. Morrendo de vergonha, expliquei o que aconteceu. Ele disse que viajaria sexta pra Munique também. Disse que o hostel dele era mais barato que o meu, e que era muito bom. Mostrou na internet e falou pra, caso eu precisar dormir mais noites em Londres, eu ir lá e procurar por ele se eu me sentir sozinha demais. Se ofereceu pra pagar um lanche do Mc Donalds. Se fosse no Brasil, tanta gentileza ia ser vista como 'dar em cima' descaradamente. Mas pelo tom que ele falava, eu percebi que nao, que ele realmente queria ajudar. Ficamos conversando um tempo, e isso me acalmou bastante. Ele me ajudou a pensar de forma racional, nao deixar o desespero tomar conta. Depois ele deu o número do celular europeu dele e foi embora, se despedindo com um good luck little girl que soou muito sincero. Aí fiquei mais um tempo no Mc Donalds, e falei no skype com outro Daniel, o cara que, a 10 mil km de distância, ainda é a pessoa mais próxima de mim. Me acalmou muito, me fez fazer tudo o que eu podia fazer: mudar meu vôo pro dia seguinte e torcer pra dar tudo certo.
Voltei pro hostel e, logicamente, nao consegui dormir. Estava em um dormitório feminino pra 6 pessoas, mas só tinha eu e a uma francesa que nao falava inglês muito bem, mas, apesar disso, se esforcou ao máximo pra conversar comigo e me acalmar. Fofa.
No dia seguinte, eu usei os 40 minutos de internet bem cedo, mas o sinal só pegava bem perto da cama dela. 6:30 da manha eu estava fazendo os tec tecs do teclado, constatando que Gatwick tinha reaberto, mas operava com alguns cancelamentos e muito atraso. Meu vôo ainda estava 'previsto'. Lógico que eu acordei a menina por causa dos tec tecs. Pedi desculpas e ela disse pra eu nao me preocupar, que estava torcendo pra estar tudo ok com o vôo. Fofa².
Tomei café da manha tensa, às 8. Sentia a pressao baixa tomando conta, maos e pés formigando. Me forcei a comer sem fome nenhuma. Dei mais uma olhada rápida no site de Gatwick pela internet da recepcao do Hostel (foram mesmo muito bacanas comigo) e o vôo continuava planejado. Fiz o mesmo percurso que no dia anterior, de ônibus pra Gatwick. Outros 7,50 pounds + 4 pounds do ticket do metrô. Encontrei na loja de tickets uma menina que eu tinha visto ontem. Rimos uma pra outra, num riso de desespero e cumplicidade. Nos sentamos lado a lado no ônibus e ela disse: ok, me conte sua história primeiro, depois eu conto a minha. E assim foi. Ela se chamava Lilian, tinha 23 anos e aparentava 16, fazia mestrado na Espanha, mas era mexicana da Cidade do México. Tinha parentes em Londres, por isso nao tinha que pagar pra dormir e nao estava tao desesperada como eu, mas já tinha perdido um dia de aula do mestrado e nao estava muito satisfeita com isso.
Ficamos conversando o percurso todo. Em Gatwick, como o vôo dela era mais tarde que o meu, ela se ofereceu pra ficar comigo até descobrir o que aconteceria. Eu disse que ia no balcao da Easyjet, falei pra ela ir no da Ryanair, e ia esperá-la lá na Easyjet. Mas as circunstâncias seguintes nao permitiram o reencontro, e nem tive chance de agradecer (e muito) pelo ombro e pela companhia.
Chegando no balcao, vi que tinham alguns vôos operando e pessoas fazendo check-in! Antes de correr pra fila e chorar de alegria, fui conferir com uma atendente da Easy como estava o meu vôo, e vem a bomba. Cancelado de novo. Volte pra Londres e mude o seu vôo pela internet, sem pagar por isso. NAO! Já fiz isso ontem, nao vou fazer de novo, estou sozinha em Londres, todos as pessoas que estavam comigo conseguiram ir embora por outros aeroportos, eu nao tenho mais dinheiro pra ficar indo e voltando pra Londres, pagando Hostel, nem pra comida tenho mais dinheiro!! (claro que isso era mentira, mas se eu nao falasse assim, chorando 10 litros, ninguém ia me dar atencao). Aí a infeliz perguntou 'como você fica sem dinheiro sozinha em Londres?'. Eu olhei pra cara dela com um olhar de ódio e antes de comecar a falar muita merd*, ela deixou eu entrar numa fila onde tentariam mudar o meu vôo pra mim. Fiquei na fila, observando como a infeliz ia despachando os outros passageiros sem maiores explicacoes, sem oferecer ajuda, sem nada. No estilo: se vira. Fiquei muito puta. Aí fui atendida por uma outra mexicana. Sabia porque li o nome e pensei nisso na hora, mas nao lembro mais o nome. Algo como Gonzales. Nao sei mais. Sei que fui explicar que meu vôo tinha sido cancelado duas vezes, falei que estava sozinha, etc etc, comecei a chorar de novo e ela disse: 'Ok, tem um vôo pra Munique saindo de Stanstead 6:30 da tarde, e os vôos lá estao sofrendo apenas leves atrasos, nada de cancelamentos mais. Agora é 1 hr da tarde. Se você pegar um ônibus ou um trem, dá pra chegar. Mas por favor, nao chora!'
Aí eu, ainda meio ressabiada, com medo de nao conseguir chegar (como eu disse, Stanstead fica em um extremo da grande Londres, Gatwick no outro), topei. Ela fez a mudanca, me entregou a passagem nova, e mandou eu correr pra comprar passagem de ônibus, que saia direto de lá pra Stanstead. Saí correndo naquele aeroporto enorme, com meu mochilao que já era quase parte do meu corpo, trombando em todo mundo. Chegando no guichê do ônibus, me informei que o próximo saía em 10 minutos e demorava 3 horas e meia pra fazer o percurso. Vai dar, pensei. Pensei também que a passagem fosse 7,50 pounds, mas era 29! Nao tinha grana. Mas tinha meu cartao. Tentei passar, e... nao foi aceito. Como assim? Eu sabia que tinha dinheiro na minha conta suficiente pra isso. Aí lembrei do infeliz do limite do cartao de crédito universitário, que é de 200 reais. Menos de 100 euros, e eu já tinha comprado algumas coisas com ele, como meu mochilao. Desespero. A moca do guixê foi simpática, ainda tentamos de novo, mas nada. Ela me aconselhou entao a tentar tirar dinheiro no caixa do aeroporto, no 3° andar. Mas até eu fazer tudo isso, o ônibus ia sair, ia ter outro só depois de uma hora, e eu estava no sal. Desolada, pensei em olhar os trens que saíam do aeroporto de 15 em 15 minutos. Iam pra Victoria Station. De lá, eu nao sabia o que fazer, mas era a única opcao, isso se eu conseguisse tirar dinheiro. Fui lá nas máquinas automáticas da Gatwick Express. Tinha mil opcoes de bilhete e eu nao tinha idéia de qual era o que eu tinha que escolher. Fui, toda chorosa, cansada e com fome, pedir ajuda. Aí um homem negro, alto, com uns 40 anos, veio me ajudar. O nome no crachá: Daniel (Ironias do destino parte 2). Me explicou que o ticket mais barato, só de ida, custava 29 pounds. Que eu chegaria na Victória Station em 30 minutos, de lá pegaria o metrô convencional até uma estacao no fim da Victoria Lines, de lá um trem pra Stanstead que também demorava 30 minutos. O trajeto todo, com sorte, demoraria 2 horas. Eu chegaria umas 4:30 em Stanstead, ainda a tempo. O ticket de 29 pounds valia pra todos os trechos. Fui tirar o dinheiro, cruzando os dedos pra funcionar. E funcionou! Ufa! Claro que a taxa pra tirar dinheiro ali no aeroporto era altíssima, mas nao tinha opcoes. O Daniel me levou até o trem, carregando a minha mala, e eu fiquei tao aliviada e feliz que dei um abraco nele em agradecimento, e depois pensei que poderia estar me excedendo (abraco pra europeu é quase um tabu, fato), mas ele retribuiu o abraco, disse que ia ficar tudo bem, que tinha certeza que eu ia chegar ainda naquele dia na Alemanha e que eu nao precisava ter medo. Aí eu olhei o sobrenome dele. Nao sei escrever, mas sei que é de origem africana, claramente. Estava explicada a simpatia e o abraco retribuído.
Cheguei na Victória Station já detestando aquele lugar por tanto ter passado ali. Peguei a Victoria Lines do metrô, que nao demorou a passar. Desci no ponto determinado, e constatei que o trem pra Stanstead estava atrasado há 40 minutos. NAAAAO. Mas foi eu comecar a querer chorar de fadiga e desespero de novo, que o trem chegou.
Quando cheguei a Stanstead, a paz reinava no local. Uma cena totalmente diferente do que tinha visto em Gatwick, onde pessoas dormiam em cima das malas, quase nao tinha espaco pra circular. Cheguei na fila do check-in, tudo tranquilíssimo, mala despachada, vistoria da polícia federal, sala de embarque. Eu estava extremamente aliviada e feliz. O vôo ainda ia demorar uma hora e meia pra sair. Fui dar uma volta nas lojinhas da sala de embarque. A perfumaria estava em promocao. Vi o meu perfume favorito, Hypnôse da Lâncome por 30 pounds! Muito barato. O preco do trem que eu tive que pagar. No bolso, tinha 15 pounds em moedas. Fica pra próxima.
De repente, os auto falantes: 'Mrs Ana Castro. Mrs Ana Castro, please go back to the security point'. Ahn? Será que colocaram droga na minha mala durante toda essa confusao de aeroporto e agora eu vou ser presa? Saí correndo desesperada. Cheguei no balcao de seguranca com cara de desconfiada, trancada de medo. 'I am Ana Castro'. 'You have lost your wallet'.
Ufaaaaaaaaaa. Minha carteira tinha caído da bolsa na hora da inspecao de seguranca das bagagens de mao, e eu nao tinha visto.
Aí anunciaram o portao do meu vôo, n° 13. Me dirigi pra lá, onde encontrei alguns alemaes no caminho e exercitei meu já enferrujado alemao.
Mas só me senti bem mesmo, e segura, quando o aviao decolou, pontualmente, às 6:30.
Estava exausta, mas também muito aliviada. Inglaterra, adorei. Mas já passava da hora de ir embora.

Ah, faltou a cereja do bolo, claro. Cheguei em Munique 9:15. Demorou um pouco pra minha mala aparecer (já estava considerando a hipótese de extravio). Quando fui comprar um ticket de trem pra Eichstätt, fui informada que o próximo só sairia às 4:30 da manha. Eram 9:40 da noite. Comprei o ticket com os euros que tinha na carteira (que eu quase perdi em Stanstead), corri no mini mercado do aeroporto, me abasteci com sanduba natural, coca cola e maca (cedilha e acento, please), e sentei. Gastei a bateria toda do meu note ouvindo o cd do Octávio Scapin (www.myspace.com/octavioscapin), li meu Entrevista com o Vampiro e cheguei 7:30 da manha em Eichstätt, no dia 8 de janeiro de 2009, já há dois dias sem dormir, totalmente cansada e imprestável por todo um fim de semana. Ufa.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Liverpool



Durante o percurso de trem rumo à Liverpool, a empolgacao era latente. 'Cara, a cidade dos Beatles!! Eu estou indo pra láá!!' Era tudo que eu conseguia pensar. Trocamos de trem uma vez, em Crewe, umas 5 estacoes antes de chegar em Liverpool de fato. A penúltima estacao era a do aeroporto, que se chama John Lennon! Haha, adorei! Chegando lá, fiquei meio surpresa. Na estacao da Lime Street nao tem nenhuma referência aos Beatles. Tinham sim uns pinguins grandes e coloridos, que chamaram bastante a atencao logo de cara.
De acordo com as coordenadas que nosso anfitriao Ray, o marinheiro, tinha nos dado, a casa dele nao era muito longe. Mas já era de noite, estávamos cansados de andar com mochilao nas costas e pegamos um táxi. Primeira ótima surpresa de Liverpool: andar de taxi é MUITO barato. A corrida deu 5 pounds e uns centavos, menos de 2 pounds pra cada, o mesmo preco do ônibus!
Como era a primeira vez que eu andava de carro na Inglaterra sem dormir (na volta do reveillon pegamos um taxi, mas eu estava tao quebrada que nem vi nada), reparei no quao a tal da mao inglesa é estranha. No ônibus você nao percebe muito, mas nos carros, a diferenca é gritante. Jamais ia conseguir dirigir na Inglaterra!

Ray, o marinheiro

Chegamos à Marmeduke Street, 14. O flat do Ray era o 2°. Interfonamos, subimos as escadas, e demos de cara com o filho dele, o Daniel (ênfase no nome). Entramos em um flat relativamente pequeno, com muitas coisas espalhadas por todos os lugares, até chegarmos na cozinha. Ali, uma jovem conversava com um senhor de barba e cabelos brancos, com um estilao à lá Papai Noel. Era o Ray, que nos recebeu muito bem. A jovem era a Vero, uma espanhola que nao fala inglês muito bem e também estava 'couchsurfiando' por ali.

Ray e Vero


A cozinha era uma bagunca imensa, como vocês podem observar. O braco dele estava quebrado. Deixamos nossas coisas em um quartinho frio, com um colchao grande e uma pilha de lencóis, almofadas e afins. Fomos pra cozinha fazer o social e conhecer um pouco mais do cara que tinha aberto as portas da casa pra gente. Logo o Daniel foi embora e ficamos só eu, Carlos, Octávio, o Ray e a Vero. Tivemos uma prosa agradável. O Ray afirmou que queria nos receber com um jantar, mas que por causa do braco, quebrado em uma queda no gelo (pelo que eu entendi) nao tinha como. Ele contou um pouco sobre as experiências dele como marinheiro, falamos um pouco sobre nós, mas a conversa nao durou até muito tarde: estávamos cansados.

Detalhe na janela da cozinha, uma foto da mae do Ray, que lembra minha saudosa avó Alice

A Vero comentou que iria no museu dos Beatles na manha seguinte, e logicamente já nos incluí no passeio. Tomei um banho e fui me deitar em um saco de dormir, recheado com algumas almofadas e um edredom bem quentinho, mas meio empoeirado. Todos dormimos no mesmo quarto, porque a Vero, que iria embora no outro dia, estava dormindo no outro.

Frio, Beatles Story e Cavern Club

O dia 3 nao comecou bem. Quer dizer, pra mim sim, mas pros meninos nao. Eu nem imaginava que eles, sem um edredom mais gordo, tinham passado muito frio a noite, muito mesmo, porque o aquecedor do Ray desliga automaticamente de meia noita às 7. Me senti até mal por ter dormido toda quentinha enquanto os meninos congelavam. Ficou um clima meio paia. Demos bom dia pro Ray, nos arrumamos e fomos com a Vero andar pela cidade. Liverpool é linda. É claro que os Beatles sao a principal referência do local, mas andando pelas ruas nao é fácil notar a influência deles. É uma cidade que tem vida à parte da Beatlemania. E é uma cidade com defeitos também. Lixo nas ruas, carros estacionados em lugares indevidos.. de alguma forma, eu estava sentindo um pouco a falta da desordem das cidades. Parece que na Europa é tudo tao certinho (principalmente na Alemanha) que chega cansa. Liverpool nao. Liverpool é uma cidade simples, com todo o charme que uma cidade simples pode ter.

A caminho do centro de Liverpool

Passamos pela Universidade de Liverpool, encontramos um Tesco e comemos por ali, passamos pela catedral, até chegarmos no centrao.

Um panorama de Liverpool, onde é possível enxergar a Catedral

Ali vimos mais alguns pinguins coloridos, que comecavam a despertar nossa real curiosidade.


Vimos também o prédio do Museu de Artes, cuja entrada é gratuita.


Passamos do lado da Lime Street Station, de onde tinhamos chegado ontem, e seguimos rumo ao Albert Dock, onde, enfim, encontraríamos o museu dos Beatles, o Beatles Story.

Domingo de manha, Liverpool vazia e linda

A caminho do Albert Dock

Mas antes de encontrarmos o museu, encontramos o Liverpool Eye, uma espécie de London Eye miniatura, uma roda gigante que dá pra ver a cidade toda de cima.


Liverpol Eye

Encontramos também o próprio Albert Dock em si, um lugar fantástico, ainda mais com o sol brilhando em Liverpool (só brilhando mesmo, porque esquentando...).







Carlao, como bom fotógrafo que é, sacou a luz favorecendo e deu nisso: a foto que entrou pro hall dos meus retratos favoritos.


E mais pinguins. Parei pra analisá-los direito e tirar foto: faziam parte de uma exposicao chamada 'Go Penguins', que fica até hoje (10 de Janeiro) exposta nas ruas de Liverpool. Uma referência ao inverno e também um alerta aos riscos que os pinguins correm por causa do aquecimento global.

3 pinguins



Nao, Liverpool definitivamente nao é 'só' a cidade dos Beatles (como se esse fato já nao fosse o bastante para torná-la singular). Liverpool é isso e muito mais. Liverpool tem uma identidade própria para além dos Beatles, e eu gostei muito dessa constatacao!
Aí chegamos na Beatles Story.

Entrada do Beatles Story


Já ao som de Beatles, claro. Já arrepiei. Pagamos 8, 50 pounds por sermos estudantes, incluso o áudio guide em inglês. Comprei um livrinho por 1 pound sobre o Beatles Story, em alemao. E entrei no mundo encantado dos Beatles.


O museu conta a tragetória dos rapazes desde o início, quando nasceram (sao chamados de criancas da guerra, por terem nascido justamente no fim da 2a Guerra Mundial, em uma Liverpool fortemente bombardeada), como se conheceram (a maioria na escola), qual foi o primeiro nome da banda (The Quarrymen), como o nome mudou pra The Beatles, onde tocaram primeiro (Casbah), onde tocaram mais de 250 vezes (no imortalizado Cavern Club), o primeiro show internacional (em Hamburg, na Alemanha), os 'naos' que receberam de gravadoras e agentes, o vendedor de discos que percebeu o sucesso crescente dos rapazes e tornou seu agente (Brian Epstein), a vida pessoal e amorosa de cada um deles, a saída nao muito esclarecida do Pete Best pra entrada do Ringo... Tem salas temáticas, como uma que reproduz o Yellow Submarine, uma que faz referência à capa do CD Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band, uma parede sobre o Magic Bus... Uma pequena galeria:

Fotos e documentos de quando os rapazes nasceram, no pós 2a Guerra Mundial




Primeira guitarra do George Harrison
Ainda bem que eles tinham talento, porque se fosse depender da beleza, tava tenso..

Primeiro show internacional, em Hamburgo, aqui na Alemanha

Sala temática do Yellow Submarine

Sala temática do Sgt. Peppers

Aí chega na fase triste da coisa, que é quando eles se separam. E depois, uma sala dividida em 4 ambientes, um pra cada integrante, que fala um pouco especificamente sobre cada um deles. O Paul e seu amor pela Linda.


O John e seu jeito pacifista, junto com a Yoko (da qual eu nao sou lá muito fa), o George e sua simplicidade, afirmando que na verdade o que ele é mesmo é jardineiro (amei) e o Ringo, que confesso, nao consigo me lembrar de muita coisa a respeito, só de que ele foi um dos poucos que afirmou abertamente que nao queria o fim da banda.
Nas paredes, a forca da influência dos Beatles em outros músicos, expostas em mensagens do Noel, do Oasis (sou fa demais dele!), da tia do Kurt Kobain e etcs.


Depois, uma sala dedicada ao Jhon e a uma das poesias mais bonitas que já li (e ouvi) na vida. Imagine. Uma sala toda branca, um piano, fotos e mensagens nas paredes. Tocante.


Aí o museu acaba com uma sala infantil, com joguinhos interativos muito bacanas. Queria ter 10 anos pra poder brincar no piano gigante!



E a parte tensa da coisa toda: a lojinha do museu! Logicamente, queria levar tudo pra casa. Logicamente, era tudo MUITO caro. Um chaveirinho de nada 3 pounds. Tinha uma camiseta feminina linda, preta, de manga longa e capuz, com o símbolo do Cavern Club. 22 pounds. As bolsas.. os pôsteres, os bottons, as carteiras, até meias!! Queria tudo, mas e o dinheiro? Malditos pounds caros! haha. Vou ter que voltar lá rica MESMO. É quase torturante. haha.
Os meninos encontraram uma amiga que eles tinham conhecido em Amsterdam, ali, por acaso., junto com uma outra amiga. Aliás, o que mais tinha no museu eram brasileiros. Na lojinha, principalmente. Todo mundo contando os pounds, multiplicando por 3 (pra ver quanto dá em real) e com cara de agonia. Estavamos varados de fome, e fomos procurar alguma coisa pra comer. Já era tarde, os restaurantes por perto já nao serviam mais almoco. O tempo passa dentro do museu e você simplesmente NAO VÊ! Acabamos comendo no salvador dos estudantes pobres da Inglaterra: o Mc Donalds (do qual eu nem gosto muito, mas né? necessidade faz sapo pular).
Caiu a noite. Saímos do Mc, os meninos compraram um edredom cada na Primark (nao se arriscariam a congelar novamente a noite) e fomos pra Mathew Street, a rua do Cavern Club.

Mathew Street, a rua do Cavern Club



Parede da Fama de Liverpool

Na verdade, o atual Cavern Club nao é o original. O original foi demolido. Mas ele foi reconstruído tal e qual, e muitas bandas famosas já tocaram por ali depois disso, como Oasis, Arctic Monkeys, The Who, Queens, o próprio Paul...

Entrada do Cavern Club

A emocao de descer aquelas escadas até chegar no porao aonde o Cavern fica é inexplicável.

Cavern Club, Liverpool

Nas paredes, nomes de pessoas de todos os lugares do mundo que já se divertiram por ali (e eu sem uma caneta adequada, nao pude assinar o meu, scheiße). No palco, um homem cantando Beatles (logicamente). Surpreendentemente o lugar nao estava cheio, e, por ser ainda cedo, nao pagamos pra entrar. Nos sentamos e ficamos ali, babando, achando tudo aquilo o máximo dos máximos.
Até que o músico pára e pergunta se tem gente de outros países ali, e de quais. Gritamos 'Brasiiiiil'. Ele ficou todo entusiasmado e disse que sabia tocar uma música brasileira, e comecou a tocar Garota de Ipanema. Parou e perguntou se nenhum de nós queria cantar com ele. E é lógico, a gente empurrou o Octávio pro palco! O cara cantou e tocou 'Girl from Ipanema', a versao em inglês, e na segunda parte, ele tocou e o Octávio tomou conta dos microfones do Cavern Club. Eu achei que eu ia explodir de emocao! Meu amigo cantando no palco do Cavern Club! Meu Deus! Meu Deus! Meu Deeeeus! Ficamos todos num estado de êxtase inenarrável! Achei que eu ia ter um troco de orgulho! Nem consigo imaginar o tamanho da emocao que o Octávio sentiu cantando Garota de Ipanema ali! E foi muuito aplaudido no final! Aaaaah, encho a boca mesmo pra dizer que tenho um amigo ue já cantou no palco do Cavern Club! Foi mágico. (Fizemos um vídeo, mas demorou uma eternidade pra baixar, e ainda assim, nao cnsegui postá-lo aqui, mas ainda hei de conseguir!)
Acompanhamos o restante do show do cara. Depois, o show de um rapazinho muito bonito e que cantava e tocava muito bem. E depois o show de um cara meio loucao, que além de Beatles tocou também Oasis e Snow Patrol. Ficamos umas 5 horas ali, que pareceram 30 minutos. Cocei os dedos pra comprar uma camiseta do lugar, o CD triplo com as músicas tocadas por várias bandas que já tocaram por ali... aaaaaaaaaah. Ir pra Liverpool é bom demais, mas ir com grana pra torrar deve ser muito melhor, haha. Nem tudo pode ser perfeito, né?

Em um dos intervalos, de frente pro palco



Saímos do Cavern Club, entramos no Cavern Pub, uma espécie de 'irmao' do Club, mas bem mais sem graca, e nao tinha lugar pra sentar. Entao fomos a um restaurante/bar/cassino fazer hora enquanto o ônibus das meninas de volta a Londres nao saía. Depois de nos despedirmos delas, comemos no KFC um frango bem gorduroso (famoso entope-veia), pegamos um taxi, pagamos 4 pounds e fomos dormir felizes, emocionados e devidamente aquecidos. De alguma forma ou de outra, eu já sabia: aquele seria o dia mais divertido da minha viagem, um dia que eu vou me lembrar pra sempre, apesar da minha memória fraca. Histórico.

Fab4D, The White Feather e Ray

Dormimos no quarto da Vero, que tinha ido embora enquanto a gente ainda estava no museu dos Beatles, no dia anterior. Dessa vez, todos devidamente aquecidos. Combinamos que daríamos mais atencao pro Ray, porque no dia anterior ele tinha ficado o tempo todo sozinho enquanto estávamos fora. Eu acordei e fui conversar com ele. Contei da nossa experiência no dia anterior, conversamos sobre o que eu planejo pro meu futuro, e ele, demonstrando seu caráter extremamente bondoso e meio socialista (no sentido de querer que todos tenham boas oportunidades, contra essa lei do cada um por si e do consumismo exacerbado), pediu pra que eu mantenha sempre os meus ideias e nao me venda, como jornalista, aos interesses de outros. Que eu nao perca meu idealismo, meu compromisso com o direito do cidadao de realmente tornar as coisas públicas, independente de quem isso vai atingir. Refleti muito sobre isso, concluindo que realmente nao é uma tarefa fácil, mas eu espero que consiga cumprí-la. Aí ele pediu pra fazermos compras pra ele. Fomos no Tesco da esquina (eu disse que brota que nem praga), mas antes ele afirmou que nao gosta desse monopólio todo, que adorava fazer compras em mercadinhos de familia, mas que agora eles sao cada vez mais raros. E percebi claramente essa tendência mundial mesmo de monopólios, como ele mesmo diz, totalmente o contrário do que prega o capitalismo: a livre concorrência, que, a partir do estabelecimento de monopólios, deixa de existir. Nao quero entrar em debates ideológicos aqui, só queria expressar o quanto as conversas com o Ray foram interessantes e abrangentes. Na lista de compras, um whisky Bells grande, que ele tomou todo, com ajuda de uma golada do Octávio, em um dia só. 'É o meu remédio que me mata aos poucos', ele explicou, rindo. Ele estava triste por causa do braco quebrado, e eu fiquei triste por ele: nao deve ser legal ter os movimentos limitados e morar sozinho. Ele ficava o dia todo sentado na mesa, bebendo e lendo. Na ocasiao, ele relia 'O admirável mundo novo', na versao original em inglês, que depois ele deu pro Octávio. A casa dele era cheia de livros, muitos livros, do Kamasutra completo a dicionários das mais variadas línguas e livros sobre milhares de países e guerras. Um cara simples, mas muito viajado (pela experiência como marinheiro) e muito, muito inteligente. Eu o adorei!
Voltamos do supermercado, comemos nossas saladas que compramos pro almoco e fomos ao FAB4D, que nem sabíamos o que era, mas sabíamos que tinha a ver com os Beatles e que nossos tickets do museu de ontem valiam também para essa atracao, assim como para uma exposicao do John Lennon, chamada The White Feather.
Chegamos no local indicado pelo mapa. Na beira do cais. Um lugar maravilhoso, um pouco à direita do Albert Dock.

Mais uma lojinha dos Beatles e de Liverpool. Escadas nas quais, em cada degrau, figurava o nome de uma música dos Beatles.


Outra loja dos Beatles no andar de cima, assim como de coisas relacionadas ao time de futebol do Liverpool. Mostramos os nossos tickets comprados no dia anterior (esse tour todo dos Beatles é MUITO barato) e entramos na 'White Feather: the spirit of Lennon' , que na verdade nem sabíamos que ficava ali mesmo. A exposicao ia até o dia 31 de Dezembro, mas ainda bem que foi extendida. Ela conta a vida do John Lennon, narrada pela sua primeira esposa, Cynthia Powell e seu filho, Julian. Infelizmente, nada de fotos na exposicao. Enquanto eu via uma breve entrevista da Cynthia, uma simpática mocinha chegou perguntando se já tinhamos visto a Fab4D, e caso nao, pediu para que a seguíssemos. Fomos. Entramos em uma sala de projecao, com nossos óculos 3D no rosto. Tomamos lugares bem centrais e comecou um filme de animacao muuito bacaninha. Eu nao vou contar detalhes da historinha do filme, só sei que é legal demais, e, é claro, tem relacao direta com os Beatles e suas músicas. E o 4D é porque as poltronas se mexem, a gente leva água na cara, sentimos perninhas de lula pegando nos nossos pés e tudo mais. Muito legal, pena que nao dura muito.
Voltamos pra White Feather, que conta em detalhes a vida do John Lennon, com exposicao também de objetos pessoais. Uma das coisas que mais achei legal foi o apoio que o Paul deu pra Cynthia e pro Julian quando o John anunciou que tinha se envolvido amorosamente com a Yoko. Passei a admirar ainda mais o Paul por isso. E tomei uma antipatia enorme pela Yoko. Haha.
Eu sabia que o John tinha sido assassinado em 1980, mas nao sabia que tinha sido por um fa para o qual ele tinha acabado de autografar um CD. Tenso.
A exposicao se chama White Feather porque uma vez ele deu uma pena branca ao Julian, seu filho, dizendo que aquele era o símbolo da esperanca pela paz.
No fim da exposicao, uma árvore cheia de cartoezinhos coloridos, e um convite: deixe aqui sua mensagem de paz. Escrevi 'Dê uma chance à paz', a célebre frase do John, em português, com traducao em baixo. Saindo da exposicao, dei de cara com um pôr do sol fantástico sobre as águas, e, mais uma vez, parei pra refletir e concluir: sou uma menina muito abencoada.
Comprei umas coisinhas que estava adiando, mas que precisava mesmo comprar. Antes de deixarmos o prédio, reparamos nos pinguins em forma de Beatles na Abbey Road: posso levar pra casa?


O Carlos estava um tanto doente, e decidimos entao voltar, pra casa arrumar nossas coisas, prosiar com o Ray e tomar nosso rumo de volta a Londres no dia seguinte.
A noite, fizemos (opa, verbo errado, eu só comi mesmo) um macarrao com molho muito bom, com bambu. O Ray filosofou sobre as mil e uma utilidades do bambu, sobre sexo, sobre a diferenca das mulheres de cada porto, sobre a vida em geral, sobre tudo. Contou piadas muito engracadas e debateu também temas sérios. O Ray é um figuraca!

Carlos, Octávio, eu e Ray jantando e falando sobre tudo

Fomos dormir ainda com esperancas de acordar cedo no outro dia e fazer um passeio de barco em Liverpool, mas na manha seguinte estava nevando (bastante por sinal) e decidimos dormi um pouco mais. Acordamos, arrumamos nossas coisas, comemos. Ainda conversei mais um tempo com o Ray, que avisou que, por causa da neve, alguns trens e voôs nao estavam saindo. Ficamos meio alarmados, mas pensando positivo.
Me despedi dele com um aperto no peito. Pegamos um taxi, e, no meio do caminho, ele liga avisando que eu esqueci minha carteira e minhas passagens de aviao de volta a Munique. Isso Ana, parabéns. Voltamos lá, peguei, me despedi dele de novo com um aperto no peito maior ainda, e finalmente seguimos em direcao à estacao de Lime Street. O tempo era mesmo outro. Tivemos muita sorte porque os dois dias que passamos em Liverpool foram lindos, com um céu aberto e um solzao radiante. Neve, só na hora de ir embora. O taxista era muito simpático, e mereceu um chaveirinho da camisa da selecao brasileira, que os meninos deram. Apesar da volta que ele teve que dar, ele cobrou só 4 pounds. Taxi é mesmo muito barato em Liverpool. Chegamos na estacao e eu estava um tanto estressada. Eu nao sabia bem porque, mas estava. Tivemos probleminhas pra comprar tickets, porque a coisa é meio confusa. Você compra ticket de uma companhia de trem com uma moca que usa uniforme de uma outra companhia. Meio estranho. Mas deu tudo certo, tirando o fato que demos rata e pagamos 22 pounds a mais. Se tivessemos comprado em Londres ticket de ida e volta, que dura 1 mês, teriamos pago 24 pounds. Mas compramos só ida single, e depois só volta single... Agora eu aprendi: na Inglaterra, compre SEMPRE ticket de ida e volta. 1 pound a mais. Pegamos o trem rumo a Londres, deixando pra trás a linda, mágica e muito bacana Liverpool!