domingo, 24 de janeiro de 2010

Sobre montanhas russas 1

Minhas andancas pela Holanda e pela Inglaterra no fim de 2009 e início de 2010 foram momentos daqueles que você pára, observa, e conclui que vai contar pros netos. Sao os melhores momentos da vida. Aqueles que você é feliz e sabe que o é. Acontece que existe um fenômeno muito recorrente na minha vida (talvez nao só na minha). O fenômeno da montanha russa. O princípio é simples: tudo que sobre, desce. Mas na montanha russa, isso acontece muito rápido, que chega a nos deixar zonzos. Exatamente isso que acontece frequentemente comigo.

Querendo ir embora e nao podendo

Ok, eu sei que foi lindo, me diverti horrores, e repeti pra mim mesma que nao queria ir embora da Inglaterra, e sim morar em Liverpool, trabalhando de preferência no Museu dos Beatles. Mas era só uma brincadeirinha. O fato é que a Inglaterra nao queria que eu fosse embora de lá, mas eu precisava ir.
As notícias de nevascas pesadas já me deixaram apreensivas assim que o Ray, ainda em Liverpool, falou sobre elas. Apreensiva, mas nao preocupada de fato. Voltamos (eu, Carlos e Octávio) pra Londres, dormimos em um Hostel bacana e no dia seguinte nos separamos. Eles com destino a Stanstead, eu, a Gatwick. Sao dois aeroportos localizados completamente em lados opostos da regiao de Londres.
O vôo da Easyjet com destino a Munique estava previsto para 2:45 da tarde. 10 da manha deixei o Hostel depois de tomar café, peguei o metrô pra Victória Station e de lá o ônibus pra Gatwick (7,50 pounds). Nada de neve em Londres. Mas Gatwick fica um tanto considerável fora de Londres (na metade do caminho entre Londres e Brighton), e aí sim a paisagem comecou a ficar branca, e branca, e mais branca.


Pensei na possibilidade do vôo atrasar e eu chegar em Munique tarde, sem jeito de pegar trem pra Eichstätt. Seria ruim. Mas tudo que é ruim, pode piorar. Cheguei em Gatwick e o aeroporto estava totalmente fechado. O pessoal da Easyjet recomendava que mudássemos nossos vôos gratuitamente online. Ok, meu notebook nao tinha bateria mais e as tomadas da Inglaterra sao diferentes das tomadas do resto da Europa, sabe-se lá porquê. Tentei trocar de companhia (tinha o direito a isso também), mas todas elas nao estavam operando. O aeroporto estava totalmente fechado, sem previsao de abrir de novo naquele dia. Sem ter muito o que fazer, paguei mais 7,50 pounds e voltei pra Londres, pensando em passar no guichê da Eurolines (empresa de ônibus), comprar uma passagem e embarcar no primeiro ônibus rumo a Munique. Depois eu pediria o reembolso (ao qual eu também tinha direito) pra Easyjet. Só que a atendente do guichê da Eurolines, uma senhora extremamente antipática, informou que o próximo ônibus pra Munique só saía no DOMINGO. Aí bateu um desesperozinho. Procurei uma lan house ali perto da Victoria Station, paguei o equivalente a 5 reais por uma hora de internet e comecei a procurar meios alternativos de ir embora. Nadinha. Voltei pro Hostel Astor torcendo pra que ainda tivesse vaga pra eu dormir por lá. Felizmente tinha. E felizmente o pessoal do Hostel era muito bacana e prestativo. Expliquei o ocorrido, eles me emprestaram um adaptador de tomadas pra eu carregar meu notebook e me deram um cartaozinho extra pra eu usar 40 minutos de internet free. Mas guardei o cartaozinho e fui usar a wireless no Mc Donalds atrás de informacoes, contato com família e amigos e um jeito de mudar meu vôo pro dia seguinte. Aí no Mc Donalds eu descobri que a previsao era de mais neve no dia seguinte, e que Gatwick seguia fechado. Isso era uma quarta feira. A previsao de neve ia até sábado. Eu tinha algum dinheiro, mas nao era suficiente pra gastos com hospedagem, alimentacao e o transporte pro aeroporto. Comecei a me desesperar de fato. Estava totalmente sozinha em Londres, sem nenhuma boa perspectiva. Dei uma checada no site de outros aeroportos. Heathrow, o mais perto de Londres, era o que menos estava sendo afetado, mas apenas companhias muito caras, como Lufthansa e British Airways operam por lá. O vôo da Lufthansa pra Munique no dia seguinte custava 400 pounds! Eu tinha pago 35 pela Easyjet...
Stanstead nao estava totalmente fechado, mas operava com muitos cancelamentos. Reparei que o vôo dos meninos pra Graz, na Áustria, tinha sido cancelado também. Pensei na hipótese de eles terem, como eu, voltado pra Londres. Mas eles nao tinham celular. Mandei um email dizendo que estava no mesmo hostel, mas nao tinha muita esperanca de que eles pudessem ler o email.
Nesse momento de desespero total, sentou do meu lado um rapaz chamado Daniel. (Ironias do destino parte 1). Chileno, hospedado em um hostel ali por perto também, mas nao o mesmo. Perguntou se podia me ajudar, porque eu estava chorando. Morrendo de vergonha, expliquei o que aconteceu. Ele disse que viajaria sexta pra Munique também. Disse que o hostel dele era mais barato que o meu, e que era muito bom. Mostrou na internet e falou pra, caso eu precisar dormir mais noites em Londres, eu ir lá e procurar por ele se eu me sentir sozinha demais. Se ofereceu pra pagar um lanche do Mc Donalds. Se fosse no Brasil, tanta gentileza ia ser vista como 'dar em cima' descaradamente. Mas pelo tom que ele falava, eu percebi que nao, que ele realmente queria ajudar. Ficamos conversando um tempo, e isso me acalmou bastante. Ele me ajudou a pensar de forma racional, nao deixar o desespero tomar conta. Depois ele deu o número do celular europeu dele e foi embora, se despedindo com um good luck little girl que soou muito sincero. Aí fiquei mais um tempo no Mc Donalds, e falei no skype com outro Daniel, o cara que, a 10 mil km de distância, ainda é a pessoa mais próxima de mim. Me acalmou muito, me fez fazer tudo o que eu podia fazer: mudar meu vôo pro dia seguinte e torcer pra dar tudo certo.
Voltei pro hostel e, logicamente, nao consegui dormir. Estava em um dormitório feminino pra 6 pessoas, mas só tinha eu e a uma francesa que nao falava inglês muito bem, mas, apesar disso, se esforcou ao máximo pra conversar comigo e me acalmar. Fofa.
No dia seguinte, eu usei os 40 minutos de internet bem cedo, mas o sinal só pegava bem perto da cama dela. 6:30 da manha eu estava fazendo os tec tecs do teclado, constatando que Gatwick tinha reaberto, mas operava com alguns cancelamentos e muito atraso. Meu vôo ainda estava 'previsto'. Lógico que eu acordei a menina por causa dos tec tecs. Pedi desculpas e ela disse pra eu nao me preocupar, que estava torcendo pra estar tudo ok com o vôo. Fofa².
Tomei café da manha tensa, às 8. Sentia a pressao baixa tomando conta, maos e pés formigando. Me forcei a comer sem fome nenhuma. Dei mais uma olhada rápida no site de Gatwick pela internet da recepcao do Hostel (foram mesmo muito bacanas comigo) e o vôo continuava planejado. Fiz o mesmo percurso que no dia anterior, de ônibus pra Gatwick. Outros 7,50 pounds + 4 pounds do ticket do metrô. Encontrei na loja de tickets uma menina que eu tinha visto ontem. Rimos uma pra outra, num riso de desespero e cumplicidade. Nos sentamos lado a lado no ônibus e ela disse: ok, me conte sua história primeiro, depois eu conto a minha. E assim foi. Ela se chamava Lilian, tinha 23 anos e aparentava 16, fazia mestrado na Espanha, mas era mexicana da Cidade do México. Tinha parentes em Londres, por isso nao tinha que pagar pra dormir e nao estava tao desesperada como eu, mas já tinha perdido um dia de aula do mestrado e nao estava muito satisfeita com isso.
Ficamos conversando o percurso todo. Em Gatwick, como o vôo dela era mais tarde que o meu, ela se ofereceu pra ficar comigo até descobrir o que aconteceria. Eu disse que ia no balcao da Easyjet, falei pra ela ir no da Ryanair, e ia esperá-la lá na Easyjet. Mas as circunstâncias seguintes nao permitiram o reencontro, e nem tive chance de agradecer (e muito) pelo ombro e pela companhia.
Chegando no balcao, vi que tinham alguns vôos operando e pessoas fazendo check-in! Antes de correr pra fila e chorar de alegria, fui conferir com uma atendente da Easy como estava o meu vôo, e vem a bomba. Cancelado de novo. Volte pra Londres e mude o seu vôo pela internet, sem pagar por isso. NAO! Já fiz isso ontem, nao vou fazer de novo, estou sozinha em Londres, todos as pessoas que estavam comigo conseguiram ir embora por outros aeroportos, eu nao tenho mais dinheiro pra ficar indo e voltando pra Londres, pagando Hostel, nem pra comida tenho mais dinheiro!! (claro que isso era mentira, mas se eu nao falasse assim, chorando 10 litros, ninguém ia me dar atencao). Aí a infeliz perguntou 'como você fica sem dinheiro sozinha em Londres?'. Eu olhei pra cara dela com um olhar de ódio e antes de comecar a falar muita merd*, ela deixou eu entrar numa fila onde tentariam mudar o meu vôo pra mim. Fiquei na fila, observando como a infeliz ia despachando os outros passageiros sem maiores explicacoes, sem oferecer ajuda, sem nada. No estilo: se vira. Fiquei muito puta. Aí fui atendida por uma outra mexicana. Sabia porque li o nome e pensei nisso na hora, mas nao lembro mais o nome. Algo como Gonzales. Nao sei mais. Sei que fui explicar que meu vôo tinha sido cancelado duas vezes, falei que estava sozinha, etc etc, comecei a chorar de novo e ela disse: 'Ok, tem um vôo pra Munique saindo de Stanstead 6:30 da tarde, e os vôos lá estao sofrendo apenas leves atrasos, nada de cancelamentos mais. Agora é 1 hr da tarde. Se você pegar um ônibus ou um trem, dá pra chegar. Mas por favor, nao chora!'
Aí eu, ainda meio ressabiada, com medo de nao conseguir chegar (como eu disse, Stanstead fica em um extremo da grande Londres, Gatwick no outro), topei. Ela fez a mudanca, me entregou a passagem nova, e mandou eu correr pra comprar passagem de ônibus, que saia direto de lá pra Stanstead. Saí correndo naquele aeroporto enorme, com meu mochilao que já era quase parte do meu corpo, trombando em todo mundo. Chegando no guichê do ônibus, me informei que o próximo saía em 10 minutos e demorava 3 horas e meia pra fazer o percurso. Vai dar, pensei. Pensei também que a passagem fosse 7,50 pounds, mas era 29! Nao tinha grana. Mas tinha meu cartao. Tentei passar, e... nao foi aceito. Como assim? Eu sabia que tinha dinheiro na minha conta suficiente pra isso. Aí lembrei do infeliz do limite do cartao de crédito universitário, que é de 200 reais. Menos de 100 euros, e eu já tinha comprado algumas coisas com ele, como meu mochilao. Desespero. A moca do guixê foi simpática, ainda tentamos de novo, mas nada. Ela me aconselhou entao a tentar tirar dinheiro no caixa do aeroporto, no 3° andar. Mas até eu fazer tudo isso, o ônibus ia sair, ia ter outro só depois de uma hora, e eu estava no sal. Desolada, pensei em olhar os trens que saíam do aeroporto de 15 em 15 minutos. Iam pra Victoria Station. De lá, eu nao sabia o que fazer, mas era a única opcao, isso se eu conseguisse tirar dinheiro. Fui lá nas máquinas automáticas da Gatwick Express. Tinha mil opcoes de bilhete e eu nao tinha idéia de qual era o que eu tinha que escolher. Fui, toda chorosa, cansada e com fome, pedir ajuda. Aí um homem negro, alto, com uns 40 anos, veio me ajudar. O nome no crachá: Daniel (Ironias do destino parte 2). Me explicou que o ticket mais barato, só de ida, custava 29 pounds. Que eu chegaria na Victória Station em 30 minutos, de lá pegaria o metrô convencional até uma estacao no fim da Victoria Lines, de lá um trem pra Stanstead que também demorava 30 minutos. O trajeto todo, com sorte, demoraria 2 horas. Eu chegaria umas 4:30 em Stanstead, ainda a tempo. O ticket de 29 pounds valia pra todos os trechos. Fui tirar o dinheiro, cruzando os dedos pra funcionar. E funcionou! Ufa! Claro que a taxa pra tirar dinheiro ali no aeroporto era altíssima, mas nao tinha opcoes. O Daniel me levou até o trem, carregando a minha mala, e eu fiquei tao aliviada e feliz que dei um abraco nele em agradecimento, e depois pensei que poderia estar me excedendo (abraco pra europeu é quase um tabu, fato), mas ele retribuiu o abraco, disse que ia ficar tudo bem, que tinha certeza que eu ia chegar ainda naquele dia na Alemanha e que eu nao precisava ter medo. Aí eu olhei o sobrenome dele. Nao sei escrever, mas sei que é de origem africana, claramente. Estava explicada a simpatia e o abraco retribuído.
Cheguei na Victória Station já detestando aquele lugar por tanto ter passado ali. Peguei a Victoria Lines do metrô, que nao demorou a passar. Desci no ponto determinado, e constatei que o trem pra Stanstead estava atrasado há 40 minutos. NAAAAO. Mas foi eu comecar a querer chorar de fadiga e desespero de novo, que o trem chegou.
Quando cheguei a Stanstead, a paz reinava no local. Uma cena totalmente diferente do que tinha visto em Gatwick, onde pessoas dormiam em cima das malas, quase nao tinha espaco pra circular. Cheguei na fila do check-in, tudo tranquilíssimo, mala despachada, vistoria da polícia federal, sala de embarque. Eu estava extremamente aliviada e feliz. O vôo ainda ia demorar uma hora e meia pra sair. Fui dar uma volta nas lojinhas da sala de embarque. A perfumaria estava em promocao. Vi o meu perfume favorito, Hypnôse da Lâncome por 30 pounds! Muito barato. O preco do trem que eu tive que pagar. No bolso, tinha 15 pounds em moedas. Fica pra próxima.
De repente, os auto falantes: 'Mrs Ana Castro. Mrs Ana Castro, please go back to the security point'. Ahn? Será que colocaram droga na minha mala durante toda essa confusao de aeroporto e agora eu vou ser presa? Saí correndo desesperada. Cheguei no balcao de seguranca com cara de desconfiada, trancada de medo. 'I am Ana Castro'. 'You have lost your wallet'.
Ufaaaaaaaaaa. Minha carteira tinha caído da bolsa na hora da inspecao de seguranca das bagagens de mao, e eu nao tinha visto.
Aí anunciaram o portao do meu vôo, n° 13. Me dirigi pra lá, onde encontrei alguns alemaes no caminho e exercitei meu já enferrujado alemao.
Mas só me senti bem mesmo, e segura, quando o aviao decolou, pontualmente, às 6:30.
Estava exausta, mas também muito aliviada. Inglaterra, adorei. Mas já passava da hora de ir embora.

Ah, faltou a cereja do bolo, claro. Cheguei em Munique 9:15. Demorou um pouco pra minha mala aparecer (já estava considerando a hipótese de extravio). Quando fui comprar um ticket de trem pra Eichstätt, fui informada que o próximo só sairia às 4:30 da manha. Eram 9:40 da noite. Comprei o ticket com os euros que tinha na carteira (que eu quase perdi em Stanstead), corri no mini mercado do aeroporto, me abasteci com sanduba natural, coca cola e maca (cedilha e acento, please), e sentei. Gastei a bateria toda do meu note ouvindo o cd do Octávio Scapin (www.myspace.com/octavioscapin), li meu Entrevista com o Vampiro e cheguei 7:30 da manha em Eichstätt, no dia 8 de janeiro de 2009, já há dois dias sem dormir, totalmente cansada e imprestável por todo um fim de semana. Ufa.

3 comentários:

Unknown disse...

e eu agradeço por todos os danieis e todas as mulheres que te ajudaram. e de longe torceemos muito por tudo! ufa, tava tensa lendo tudo e esperando q tudo ficasse bem logo, mas demoroou em?? kkkk um beeeijo minha amiga!

Daniel Mundim disse...

Foram dias tensos. Muito! Virei espectador assíduo da BBC pra saber como tava a situação em Londres...hehe. Assim como a Camila, tenho mt q agradecer aos Danieis q apareceram e tds os outros "anjos" q te ajudaram!

"Eu sei e você sabe que a distância nao existe."

giovana.abdalla disse...

ai que post aguniante! ehiuehouehu agracimentos especiais a todos que te ajudaram! haha e amanha é seu niver. =x
;D
lov u darling! :*