domingo, 9 de janeiro de 2011

Círculo de trocas

Há muito ela não é praticada e já se tornou fora de moda por aqui. Mas acredito que todos ainda se lembram do que é a política da boa vizinhança, ? Eu te ajudo no que você precisa, você me ajuda caso eu precise também. E todos ficam felizes! Mas com a chegada do dinheiro, isso fica cada dia mais raro de se encontrar. Geralmente as pessoas que precisam de algo recorrem sempre a alguém especializado ou já perguntam "quanto você cobra pra fazer tal serviço pra mim?". É tudo na base do dinheiro e a política da boa vizinhança vem sendo cada vez mais extinta.
Pois bem, isso não é unanimidade no mundo todo. Em alguns lugares da Alemanha, por exemplo, a política da boa vizinhança é quase unanimidade e é extremamente bem organizada (alemães são organizados em tudo!), rola até uma "bolsa" de ajudas!
O tema surgiu em uma das minhas aulas de alemão por lá. Sempre tem aquele texto didático pra interpretar depois, e o da vez eram os "círculos de troca", ou em alemão, "Tauschringe" (existe também uma sigla em inglês, a LETS - Local Exchange Trading System). Algumas cidades alemãs têm uma forte tradição em círculos de troca. Essa reportagem, por exemplo, fala do exemplo de Hannover, onde funciona um círculo de troca bem organizado, com 250 integrantes. Na abertura da reportagem, a jornalista cita que o desemprego afeta mais de 4 milhões de alemães, que procuram meios alternativos para seguirem suas vidas sem gastar muito dinheiro, oferecendo o que podem e conseguindo favores em troca. Em Hannover, é tudo contabilizado para não acontecer de uma pessoa sempre pedir favores e nunca oferecer nada em troca. A diferença é que a conta não é em dinheiro, e sim em "talentos", o "dinheiro" do sistema de trocas. No exemplo da reportagem, a mulher que trabalha com informática e tem como hobby a jardinagem, vai receber 15 talentos por uma hora de jardinagem no jardim da outra senhora. Tudo anotado e contabilizado em uma espécie de conta. Depois, a jardineira das horas vagas pode pedir uma hora de favores para outra pessoa, gastando assim os seus talentos acumulados.
As duas citam a vantagem não apenas financeira da troca, mas também a possibilidade de ser útil e retomar a política da boa vizinhança, além da possibilidade de conhecer novas pessoas e fazer amizades. Em Hannover, o pessoal do Tauschring realiza também, periodicamente ,os chamados "Flohmarkts", ou os mercados de pulgas, sobre os quais eu já escrevi aqui. Mas, nesse caso, o pagamento não é feito em dinheiro, e sim nos chamados "talentos". Tudo é pago com os "talentos" acumulados nos serviços prestados. Como se fosse uma economia paralela, sem o dinheiro comum.
Todo tipo de trabalho pode ser oferecido: conserto de bicicletas, aulas de línguas, de música, reforço escolar, passar roupas, limpar casa, cozinhar, cuidar do cachorro, ser babá, lavar vasilhas, praticar esportes em conjunto, ajudar a organizar o guarda roupa, etc. Isso faz com que pessoas de todas as idades e classes sociais, que tenham algum tempo para se dedicarem, possam participar. Na reportagem, uma senhora oferece até massagem, enquanto duas adolescentes passam roupas.
Fato é que todo mundo tem algo pra oferecer, e por isso essa troca é possível. Talvez o que falte é tempo, já que vivemos sobre a prerrogativa do "tempo é dinheiro". Na Alemanha, ao menos nas pequenas cidades, percebi que o tempo dedicado ao trabalho é menor do que aqui. Os supermercados fecham aos domingos e funcionam até às 8 da noite de segunda à sábado, por exemplo. Os escritórios começam a funcionar, em geral, mais tarde do que aqui (por volta das 8:30, 9 horas) e às 17hrs estão praticamente todos fechados. A impressão que eu tinha é que os alemães são mais concentrados e levam menos tempo no trabalho para render o mesmo que rendemos aqui. Talvez por isso eles tenham mais tempo livre também, e se dedicam a atividades como essa.
Eu achei a ideia muita bacana, prática e totalmente viável. Isso pode ser feito inicialmente no seu próprio ciclo de amizades mesmo. Por exemplo, eu posso dar aulas de alemão ou inglês em troca de aulas de violão, que sempre quis aprender.
A invenção não é alemã, afinal, antes do dinheiro tudo funcionava desse jeito, mas é interessante observar como esses círculos de troca são institui coes organizadas e realmente ativas por lá. Mais um bom exemplo que podemos aprender com eles.
E você, tem algum talento a oferecer?



Logo do Tauschring de Berlim






Logo de Wennigsen


e a minha logo preferida, do Tauschring de Bad Waldsee

Um comentário:

Daniel Mundim disse...

Bem bacana! Falta é força de vontade, e iniciativa pra esse tipo de coisa engrenar por aqui... e vc, como contribuía com o Círculo de trocas na Alemanha? Fazia uma daquelas lasagnas q só vc sabe fazer? =D Ah, eu até q tenho alguns talentos pra oferecer, mas vc já conhece tds, e de graça... =]