sexta-feira, 2 de julho de 2010

Minha Copa só tem Tor

Com quatro anos de atraso, assisto à Copa do Mundo 2010 em terras germânicas. Se estivéssemos em 2006, quando a Alemanha sediou o Mundial, haveria uma (grande) vantagem nisso. Mas errei de continente. Ironicamente, tinha tentado primeiro um intercâmbio na África do Sul, mas não rolou. E assim acompanho a Copa do Mundo em Eichstätt, cidade que fica a pouco mais de cem quilômetros de Munique.
No início decidi apoiar os ‘Brüders’ alemães, na esperança de vêlos alegres, menos sisudos e mais simpáticos. Não é trairagem. O apoio seria apenas até a chegada da final entre Brasil e Alemanha e a seleção canarinha seria hexa em cima deles. Eu iria ver a cara de decepção deles ao vivo. É sadismo.
Saí de casa 1h30 antes do início da partida de estréia, Alemanha x Austrália na esperança de achar um barzinho bacana para assistir ao jogo. As ruas estavam estranhamente silenciosas, clima zero de Copa. Até que surgiu a explicação: já estavam todos a postos nos bares da cidade, tanto que havia lugar para mim e para minha amiga finlandesa só quatro tentativas depois.
Mãos no caneco de meio litro de cerveja, olhos no telão e começa o espetáculo. Precisei de dois gols para me acostumar com o fato de que gol, em alemão, é Tor. No terceiro, gritei “tór” com gosto! Mas nada muito prolongado. Ninguém por aqui dá uma de Luciano do Valle e grita por minutos a fio, nem mesmo os narradores. O “tór” é curto e grosso. “Tór”. No quarto gol, só bati palma. Foi bem estranho ver o Cacau, brasileiro, fazer gol na Copa representando outro time.
Fim do jogo, 4 a 0 para a Alemanha, fomos todos para a praça central. Eis que, para minha surpresa, multiplicavam-se os carros, vuvuzelas nas cores da bandeira alemã, buzinas, pessoas sentadas na janela dos automóveis ou,no caso dos não raros conversíveis, em pé. “Olê, olê. Deutsch-laaaand, Deutsch-laaaand!” Os pedestres se abraçavam e cantavam. Finalmente senti o clima de Copa no ar. E senti também uma sensação estranha: pela primeira vez, quando o Brasil ganhasse os jogos da Copa (e claro que ganharia ao menos um), eu sairia na rua e seria como se nada tivesse acontecido. Engoli em seco.
Dois dias depois o Brasil estreou contra a Coreia do Norte. Num repente de esperteza, tratei de reservar uma mesa. A garçonete disse que, por ser jogo do Brasil, não era necessário fazer reserva. Como assim? O que essas pessoas têm de mais importante para fazer do que assistir ao único país pentacampeão do mundo? Demonstrei minha indignação apenas com insistência: gostaria de fazer a reserva assim mesmo. Dez lugares: eu e mais dois brasileiros, um alemão que morou no Brasil, alemãs que estudam português e alguns amigos alemães curiosos para ver como se comporta a torcida brasileira.
No bar, pergunto pela mesa reservada. Lá está ela, posicionada bem em frente à TV. Lá estão ela e várias outras mesas vazias. Disparate, pensei. Nem sentamos nela. Havia espaço de sobra em frente ao telão do Biergarten, ou “jardim da cerveja”, área aberta do bar, uma espécie de jardim dos fundos, muito comum nos bares daqui. É que alemão, no verão, não dispensa uma cervejinha ao ar livre.
Um amigo se divertiu com o fato de que, a cada chance de gol, eu e os demais brasileiros nos levantávamos e curvávamos o corpo em direção ao telão, com os braços esticados gritando “vai, vai”. Os alemães só levantam (quando levantam) depois do Tor feito. Na comemoração dos gols do Brasil, eles riram do grito de goooool estendido. Alguns não souberam reagir direito quando eu, na empolgação, lhes dei aquele abraço.
Mas sofrimento mesmo eles presenciaram quando a Coreia do Norte fez gol. É que os alemães do local comemoraram (e muito) o gol norte-coreano.
E, assim, a Alemanha começou a perder uma simpatizante. Claro que, por medo de ter o Brasil como adversário, eles torcem contra. Faz sentido. Mas decidi: não vibro mais a cada Tor alemão. Fim de jogo, Brasil vence e, como previsto, nas ruas é como se nada tivesse acontecido. Por favor, na próxima vitória do Brasil, sambem, comam feijoada, se abracem forte e vão às ruas comemorar com o dobro de vontade habitual: o façam por mim e por todos os brasileiros que acompanham a Copa longe do Brasil ou da África do Sul.
Não vi a reação dos alemães ao perderem para a Sérvia, porque estava na Espanha. Depois de ganharem de Gana, os alemães começaram a acreditar na possibilidade de ganhar a Copa. E apareceram em maior número no jogo Brasil x Portugal e, de novo, torceram contra. Alguns o fizeram, claramente, para provocar.
Não sou a única sádica. A saga continuou nas oitavas de final. Assisti ao jogo Alemanha x Inglaterra com dois italianos, que de tanto terem sido zoados estavam torcendo contra a Alemanha. De uma forma menos assumida, eu fazia o mesmo. Me peguei revoltada com o gol não dado para a Inglaterra. Não gritei Tor. Bati palma só para não receber olhares tortos dos alemães. Dessa vez, os alemães gritaram e pularam mais. E ficaram mudos quando a Inglaterra fez o primeiro gol. Nem uma palavra de baixo calão, nem um tapa na mesa. Nadinha. Só silêncio. Aí a Alemanha bailou em cima da Inglaterra e rolou, novamente, toda a comemoração e toda a minha saudade de ver isso tudo nas cores verde e amarela.
Meu objetivo inicial de torcer para uma final entre canarinhos e germânicos já está sendo reavaliado. Os Brüders estão jogando perigosamente bem. Vai que eles ganham e eu sou obrigada a ver e ouvir a festa e ainda aguentar o sadismo alheio? Na dúvida, a partir de agora, Copa fora do Brasil, só se for no país-sede. Meu Brasil,não arredo o pé daí em 2014.

*Texto publicado no caderno especial da Copa do Mundo no Jornal O Popular, edicao do dia 30/06/2010

2 comentários:

Marina Muniz Mendes disse...

Ana, a crônica ficou ótima. Parabéns :)

Daniel Mundim disse...

Tostão e Juca Kfouri que se cuidem!!