terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Ressaca pós intercâmbio

Já me pediram uma vez pra escrever aqui sobre a sensação de voltar pra casa depois de um intercâmbio como o que eu fiz, longo, de um ano. Eu sempre quis escrever, e ao mesmo tempo, tive medo. É como se, caso eu escrevesse a respeito, estivesse assumindo o fato de que acabou. E, no meu caso, foi tão, mas tão incrivelmente bom, que mesmo estando de volta há quase 5 meses, eu ainda não gosto muito de pensar que acabou mesmo.
Aí chega o fim do ano, e eu vou começar a dizer pras pessoas interessadas "voltei do intercâmbio ano passado..." E daí? É a lei natural das coisas, o tempo passa, acontecimentos marcantes vão ficando cada vez mais distantes naquele departamento da vida que gostamos de chamar de passado. Ok, eu sei disso. Mas de certa forma, parece que falar "voltei do intercâmbio esse ano" soa tão melhor!!
O fato é: voltar de um intercâmbio bem sucedido tem sido, pra mim, um exercício doloroso e lento de desapego.
No início, me joguei de cara no Trabalho de Conclusão de Curso, que serviu pra me distrair da ideia de refletir a respeito. Aí quando o trabalho foi entregue e apresentado, e eu já não tinha muito com o que me distrair, tive uma crise horrorosa, do tipo "caiu a ficha" e chorei um fim de semana inteiro.
Outro motivo que eu não queria escrever sobre isso, além do medo de assumir pra mim mesma que acabou, é que eu sei que soaria como um monstrinho. E é meio inevitável, pelo menos no meu caso.
É claro que houve choro quando fui embora, e depois veio a saudade, e em momentos mais cruciais, como quando sofri o acidente lá, ou quando o meu irmão sofreu um acidente aqui, eu quis voltar. Mas sendo bem sincera: eu me adaptei muito fácil por lá. Dei sorte de ter pessoas maravilhosas morando comigo, nos dois semestres e nas duas casas em que morei. Me adaptei super bem à vida naquela cidadezinha de bonecas, colorida, pequena e no meio de um parque ecológico. Me acostumei a ir a pé pra todos os lugares, ou, no máximo, pegar um ônibus pontual ou um trem pra ir pra outras cidades. Adorei a oportunidade de ir e vir, a pé, a qualquer hora do dia e da noite, sozinha ou não, sem medo de ser assaltada ou coisa pior. Gostei de pertencer a um grupo com pessoas de diversos lugares do mundo e que, por incrível que pareça, se entendiam muito bem e tinham muita curiosidade de aprender umas com as outras. Amei aprender algo novo a cada dia. Sair de casa sem destino definido e voltar de madrugada, depois do dia mais divertido da minha vida, que na verdade foram diaS, muitos deles.
Tem gente que pira quando vai embora. Conheço gente que ficou poucas semanas e não aguentou (uma patricinha irritante, de Milão, que achou a cidade pequena demais). No meu caso, não tive problema algum com isso, pelo contrário. Pode ter sido sorte, sei lá, mas me identifiquei com muita facilidade à nova vida. Coisa que eu tento fazer há 21 anos aqui e não consigo. O que as pessoas esperam que eu faça, esperam que eu goste, enfim, o que as pessoas esperam uma das outras aqui, geralmente, não é nada do que eu sou de fato. Por isso eu sou tão diferente das minhas amigas daqui, talvez. Da minha mãe até. Lá, eu era estrangeira, mas me sentia, às vezes, mais confortável do que aqui.
E esse é o lado monstrinha da história: foi muito mais fácil ir embora do que voltar. Eu não queria assumir isso pra mim mesma, porque é óbvio que eu amo minha família, meus amigos e várias pessoas que eu deixei aqui e que são muito especiais pra mim. Mas eu não gosto dessa cidade, dos costumes daqui, do ritmo de vida, de ter que pegar carro/ônibus pra ir pros lugares, de ter que pagar flanelinha pra estacionar na rua (isso não existe lá, e eu sei que tem todo um fundo de questões sociais, etc etc, mas isso me irrita e ponto final). Não gosto das pessoas te analisando de cima em baixo, focadas nas coisas mais fúteis do mundo. Lá tava todo mundo pouco se lixando pro modo como você se veste ou não, se maqueia ou não (aliás, se você se maqueia muito lá e pinta suas unhas de laranja, as pessoas não vão achar normal, mas não vão falar nada, muito menos tentar fazer você mudar seu jeito - individualidade, eu gostei muito disso). Lá ninguém é amigo de ninguém de uma hora pra outra, mas se se tornam amigos, são amigos de verdade, que gostam de você pelo que conhecem de você, e não pelo modo como você sai na rua. Os relacionamentos lá te sugam menos. Podem parecer mais frios do que os daqui, mas eu enxerguei pelo lado positivo: você tem espaço pra você mesmo e dificilmente você frustra alguém, porque as pessoas não depositam toda a esperança do mundo em você.
Mas talvez a minha birra principal seja com Goiânia mesmo. Podem jogar o tijolo, mas eu, que morei em uma cidadezinha de 14 mil habitantes lá, acho Goiânia muito mais provinciana, principalmente por causa da mentalidade do povo. Óbvio que tem exceções , mas no geral é essa a minha impressão. Eu gostava mesmo do estilo de vida que eu tinha lá.
Outra coisa que pesa é que tudo em um intercâmbio é novidade. Quando você volta, volta m também a rotina, as obrigações , as cobranças. A vida real, hehe.
Mas o pior mesmo é deixar as amizades que você fez pra trás, sem nenhuma garantia de que, um dia, vai voltar a vê-las. Ainda bem que existe a tecnologia pra aliviar, mas não é a mesma coisa.
Ana, foi só um ano. O que é um ano perto das amizades que você fez aqui durante a vida, perto da sua família? Aí é que essa coisa de marcar o tempo se revela mesmo uma criação humana pra necessidade de organizar-se e nada mais. A intensidade das amizades ali é outra. Fui sozinha, sem conhecer ninguém, e voltei me sentindo amada e amando muito. Recebi apoio de gente que eu conhecia a 4 meses, gente que cuidou de mim como se fosse minha família. De certo modo, naquela situação, eram. E eu não sei se voltarei a ver essas pessoas. A abraçá-las. Isso é o mais difícil de aceitar, de engolir. Não quero menosprezar quem eu amo aqui, mas é apavorante pensar que posso nunca mais voltar a ver quem eu amo e que está(o) lá. E essa sensação de pavor anula um pouco a alegria que eu pensei que fosse sentir ao voltar.
A vontade que dá é mesmo de ser duas ao mesmo tempo. São duas vidas, duas Anas. E parece que eu me identificava mais com a Ana de lá, o que faz de mim, aos olhos de muitos aqui, um monstrinho sem coração. Mas na verdade, tem um coração enorme aqui, apertadinho que só, de saudade do que foi muito bom. Nada mais natural.

ps: como se nao bastasse, passei o reveillon ano passado em Londres, com direito a neve pós meia noite. Esse ano vou passar em Goiânia. Sehr gut. #nicht

Felicidade/Fröhlichkeit

2 comentários:

Paula disse...

Olha eu aqui me metendo. Rs.

É legal escrever sobre os sentimentos, mesmo sacramentando o fim do intercâmbio na sua cabeça. Isso faz você avaliar melhor, organizar melhor sua visão do passado, do presente e do futuro. E confesso que acho mesmo o seu pensamento cruel algumas vezes. Rs. Você mesmo acha. Mas pode ser normal se sentir assim em relação às pessoas, porque o lugar, você pode escolher o seu no mundo. Goiânia não precisa ser sua casa só porque você nasceu nela. Você pode deixá-la, criar meios pra isso.

Muito do que você viveu na Alemanha eu imagino que foi por uma questão circunstancial. Você sabia que tinha prazo de validade, havia muitas pessoas na mesma situação que você e você foi só para estudar e conhecer tudo. Você não pode ver as coisas que viveu lá com os mesmos olhos do que viveu e vive aqui.

Sobre o "parece que eu me identificava mais com a Ana de lá", isso é ótimo, porque é a sua principal descoberta. E, Ana, vá atrás dessa sua versão que você gostou mais. Leve o que te faz mais falta com você, seja uma pessoa ou uma receita de brigadeiro. O lance é ter mais perspectivas do que retrospectivas na vida. Relembrar é sempre bom. Mas que as lembranças te lancem para um futuro. E não qualquer futuro. O futuro como você quer.

Acho que o mais importante é ter consciência de que o intercâmbio acabou. Em tese, foi-se a era de testes. Mas as escolhas não têm que ser tão definitivas agora. Nada te impede de mudar, voltar atrás, tentar de novo, começar do zero. Se tiver que começar a carreira em Goiânia, tenha planos para que isso seja apenas temporário.

Escrevi demais esse papo piegas. Rs. Mas penso isso realmente. Pensava muito pra mim, agora que estou mais descrente. Mas ainda não me acho velha, hein? Rs.

Brunna Duarte disse...

Olá Ana! Não te conheço e cheguei até este blog por tweet do meu antigo professor Altair.

Gostei do seu post. Sei exatamente como você se sente. No meu caso, as circustâncias são outras e o país em questão é a Holanda, mas me diverti com a tua visão de Goiânia e me emocionei com essa saudade e essa ansiedade que vivem em quem se sente fora do lugar, ainda que este lugar, em tese, deveria ser o seu lugar.

Espero que seu reecontro com a Alemanha e tudo (todos) que você deixou por lá aconteça em breve. Felicidades!