quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Eichstätt, a Salem's Lot alema

Já comentei aqui sobre as matérias interessantes que estou pegando na KUEI. Uma delas, que me deixou empolgadíssima no momento em que a descobri, foi a disciplina de Vampiros na Cultura Americana, ministrada em inglês, que trata sobre a análise de filmes, contos, livros e tudo que é relacionado a vampiros. É um tema que sempre me fascinou, desde que eu assisti pela primeira vez, com uns 7 ou 8 anos de idade, ao filme Entrevista com o Vampiro. Pode soar precoce, mas eu me senti fisicamente atraída por esses seres, o que é facilmente explicado pela conotacao sexual que Hollywood deu a eles, retratando-os sempre como criaturas anormalmente bonitas, poderosas e misteriosas. É um tema que me agrada desde entao. A disciplina faz parte do núcleo de estudos anglo-americanos da Universidade, mas é aberta a todos os alunos interessados.
Pois bem, a primeira das leituras foi o clássico Drácula, de Bram Stoker. Li a versao online em português. Adorei a leitura, até por saber que a maioria de tudo que se cria hoje relacionado a vampiros é inspirado de certa forma em Drácula. Stoker pesquisou 7 anos em bilbiotecas de vários países sobre o mito de Vlad, rei romeno que tinha como hobby preferido empalar pessoas (enfiar uma estaca nelas e deixá-las penduradas, morrendo lentamente) e beber seu sangue. Ele chegou a fazer uma 'floresta' de corpos empalados. Seu sobrenome era Drácula, daí o nome. Outros mitos e folclores também ajudaram na construcao dos poderes e das fraquezas de Conde Drácula. Stoker juntou tudo e criou um personagem que tem como principais poderes o de hipnotizar pessoas e animais noturnos; se transformar nesses animais; se transformar em uma nuvem de poeira; tem uma forca física sobrenatural; tem a capacidade de rejuvesnecer de acordo com a quantidade de sangue humano que ingere e pode viver eternamente. Mas tem seus poderes extremamente limitados pela luz solar, é combatido com símbolos religiosos como crucifixos, àgua benta e óstia; só entra nos lugares se for convidado e pode ser morto com uma estaca no coracao e se for degolado.
O segundo livro, que temos que ler até o dia 26, é Salem's Lot, do Stephen King. Eu nao tinha muitas informacoes sobre o livro quando comecei a lê-lo na versao em inglês, de bolso, comprado usado no Amazon.de por 2,50€. Comecei a lê-lo no início da semana passada, e desde entao nao tenho tido mais sossego..


Uma coisa é você ler um livro com uma narrativa muito bem construída que se passa em um lugar totalmente diferente de onde você vive. Se eu tivesse lendo em Goiânia, estaria tudo certo. Os arranha céus, o calor, a quantidade de pessoas e carros, até a arquitetura das casas e o fato de Goiânia ser uma cidade nova me distanciariam muito da narrativa e eu sei que eu fecharia o livro sossegadamente, sairia na rua à noite e nao teria medo. Mas e quando a história se passa num lugar exatamente igual ao que você mora?
Salem's Lot é o nome da cidade em que as histórias narradas acontecem. E quando eu li a descricao da cidade, nao fosse o esclarecimento de que ela fica na Nova Inglaterra, ou seja, nos Estados Unidos, eu poderia jurar que Stephen King estava descrevendo Eichstätt.
Eichstätt é exatamente igual Salem's Lot. Uma cidade com poucos habitantes (14.000 em época de aulas, 10.000 nas férias), situada dentro de um parque ecológico nacional, dentro de um vale. Montanhas a cercam por todos os lados. Faz muito frio no inverno (ano passado, os termômetros marcaram -20° em janeiro e fevereiro). A vegetacao nessa época some. Quem tem orkut e viu as fotos dos jardins lindos de Eichstätt pode esquecer... Agora no inverno as flores se retraem, e as folhas verdes, amarelas e vermelhas caem das àrvores, dando a elas aquele tom fantasmagórico que nós, brasileiros, só conhecemos das paisagens de filmes, geralmente quando sao de suspense. A neblina é constante, espessa, branca, quase palpável. O ar é constantemente úmido. As casas sao em sua maioria muito bonitas, com uma arquitetura antiga. A cidade tem 1.100 anos de história, e uma ponte da qual as supostas bruxas (em sua maioria mulheres ruivas) eram jogadas no rio Altmühl dentro de uma espécie de gaiola para ali morrerem afogadas. A cidade é muito católica e tem igrejas em todos os cantos, com torres enormes e aspecto beeem antigo. À noite, no inverno, é uma paisagem típica de filmes de terror. E o fato do cemitério ficar a cerca de 100 metros da minha casa, estar sempre de portoes abertos e ter túmulos grandes de granito só reforca essa imagem aterrorizante. Tudo isso faz com que eu tenha a sensacao de que, ao fechar o livro toda vez que termino de ler algumas páginas, eu ainda continuo dentro da história. Eichstätt é uma cidade muito segura. Você pode andar sozinha a noite 3 da manha com 99% de certeza que nada vai acontecer com você. É a segunda cidade da Europa com menos desempregados, por causa da universidade e da fábrica da Audi, principalmente. Mas depois que comecei a ler Salem's Lot e constatar todas as semelhancas entre as duas cidadezinhas, nao consigo mais andar sozinha a noite. Nao tenho medo das pessoas de Eichstätt. Tenho medo do que eu teoricamente nao posso ver, e do que parece estar constantemente me vigiando, o tempo todo, durante a noite.
Ainda estou na metade do livro que tem 600 páginas, mas já resolvi que só posso lê-lo durante o dia. Meu quarto tem janelas enormes de vidro e, quando olho através delas a noite, o que eu vejo é muito neblina branca e àrvores sem folhas, iluminadas por uma luz muito forte da lua. A impressao que eu tenho é de que a qualquer momento um vampiro extremamente bonito vai surgir na minha janela, me hipnotizar e pedir pra entrar, e eu vou acabar deixando... Quando os corvos resolvem piar, ou os cachorros da vizinhanca resolvem uivar, a coisa piora. Pior ainda quando um corvo resolve dar um rasante na minha cabeca, ao lado do cemitério. Quase infartei, e estava ainda de dia.
Nao bastasse todo esse clima, que me faz sentir como se eu fosse personagem de um filme de vampiros, com toda essa gente branquela à minha volta e essa paisagem favorável, ontem eu fui assistir ao filme Salem's Lot na Uni. Todas as quartas essa turma da disciplina de Vampiros organiza uma sessao de algum filme. Semana passada fui a uma festa e perdi o meu preferido, Entrevista com o Vampiro. Ontem decidi que iria, e quando a Laure, a francesa que mora comigo, me disse que passaria Salem's Lot, cheguei a pensar duas vezes. Mas que bobagem Ana, é só um filme. Fui. A sessao comecou mais cedo que o habitual, às 7 e meia (ou meia 8, como dizem os alemaes). Como aqui escurece 4:30 da tarde, já estava super escuro. Tudo bem, o caminho ao lado do cemitério que é o mais curto pra chegar na Uni da minha casa ainda estava movimentado. Cheguei no Studihaus, me acomodei no sofá, comi um pedaco de torta de maca (maldito teclado alemao sem cedilha e acentos) e fui informada de que o filme acabaria 11:30. Dei gracas a Deus que a Laure voltaria pra casa comigo. O filme, como a maioria dos que sao baseados em livros, infelizmente nao é muito fiel. Mas ainda assim, é assustador. Algumas partes chegam a ser engracadas, de tao trash e nojentas, mas em outras o posicionamento da câmera, a trilha sonora e a iluminacao dao um tom realmente aterrorizante. E a Salem's Lot do filme, como eu imaginei, realmente se parece muito com Eichstätt. Como o filme era longo, rolou uma pausa pra ir ao banheiro. Laure foi comigo. Nós duas estavamos muito assustadas pra subir até o segundo andar do prédio sozinhas. Quando o filme acabou, as luzes foram acesas e eu percebi que nao era a única encolhida no sofá...
Um dos franceses que assistiu ao filme comentou que a Franca estava perdendo pra Irlanda e poderia ficar fora da Copa. O comentário ajudou a descontrair o ambiente. Eu saí com a Laure e mais duas francesas, que pegaram suas respectivas bicicletas e foram embora. A lua estava cheia, a neblina estava baixa e densa, e a cidade estava deserta. Quando eu e a Laure entramos sozinhas no caminho estreito ao lado do cemitério, meu coracao disparou. O caminho é iluminado por uma luz fraca, que fica geralmente encoberta pelos galhos das àrvores. Quando passamos em frente ao portao do cemitério e eu vi todas aquelas velas acesas, fazendo sombra naqueles túmulos enormes, eu sugeri a Laure que cantássemos 'Heute ist so ein schönes Tag', uma musiquinha alema cantada por criancas e também por adultos bêbados na Oktoberfest. Comecamos a cantar, uma olhando pra outra, rindo de pavor, até que decidimos, sem dizer nada uma pra outra, simplesmente correr. Corremos desesperadamente, cantando pra evitar ouvir qualquer coisa, e só paramos quando entramos em casa. Ali um vampiro só poderia entrar se o convidássemos, e já sabíamos que, caso um deles aparecesse, era só evitar olhar nos olhos...
Subimos as escadas sentindo falta de ar, rindo dessa situacao toda, mas ainda nao muito tranquilas. Acendemos as luzes da casa, cada uma acendeu as luzes do seu quarto, checamos a janela, fechamos as cortinas, e estava tudo bem. Mas só fiquei mais tranquila quando liguei meu computador e comecei a conversar potocas com meus amigos. Ainda assim, por precaucao, peguei o terco (cedilha) que minha tia me deu antes de eu vir, verde fluorescente, que brilha no escuro, e coloquei debaixo do meu travesseiro. Cobri todo o corpo, até o pescoco com meu edredon e comecei a pensar nas minhas boas lembrancas, e a rezar pra que meu subconsciente retardado nao me sabotasse e nao me fizesse sonhar com tudo isso que é, ao mesmo tempo, tao sobrenatural mas TAO próximo da minha realidade.
Talvez teria sido melhor deixar pra cursar uma disciplina dessas em qualquer outro lugar, menos em uma cidadezinha como Eichstätt, a Salem's Lot alema.

ps: consegui dormir bem, nao lembro com o que eu sonhei, mas acordei com dor nas costas por ter dormido toda encolhida.

6 comentários:

Unknown disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkk
eu dei trela de rir..
parece que eu to lendo uma a sinapse de um filme de terror, vc eh louca e a mesmo tempo emocionante ;D
meu sonho era tirar fotos nesse cemiterio, nao sei se te contei mas estamos fazendo foto disso pro curso.. entao seria bem interessante esse clima macabro dai ;D
e se um vampiro mto mto mto lindo e bonzinho que nao come sangue, tipo o do crepusculo aparecer ai, manda ele pra mim o/
kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

te amo gordinha, e tenho tanta saudade!

Daniel Mundim disse...

Meu Deus! Vou conversar com o grande Zé Mojica pra te contratar pros filmes dele!

Fabrízio de Oliveira disse...

Eai, Aninha.. ta se profissionalizando!!! Que maravílha! Quando voltar pro Brasil vai trabalhar em São Paulo, já que tem uma quedinha por essa cidade, imagino.

Bons estudos! Beijos


Fabrízio de Oliveira

Laila disse...

adorei sua descrição sobre tudo, vc é muito intensa e observadora, tb sou asim . estou escrevendo um romance sobre vampiros e esta muito legal, enquanto fazia minhas pesquisas me deparei com seu blog, achei muito legal. 1 abraço para vc e boa sorte.

Til Mendonça disse...

Descobri hoje seu blog por acaso e ri muito dessa história em especial. Eu estou fazendo intercâmbio em Eichstätt e me lembrou do meu primeiro mês aqui. Em que eu queria andar a noite, porque era tudo frio, e nublado e com o ar medieval e os sinos tocando a cada hora. Mas sempre ficava meio tensa quando fazia isso sozinha. Mas o dia que fiquei mais tensa nao foi perto do cemitério, mas perto da Domplatz, que eu estava andando sozinha umas trê e meia da manha, e saindo daquele minitunel entre a loja de relogios e sei la o que, sai um menino super bonito da neblina e solta um grito. Eu queria correr e nao conseguia me mover.Aí ele comecou a rir e se apresentou.

Ana Carolina Castro disse...

Oi Til,

desculpe a demora na resposta, o blog anda meio abandonado... :/
A atmosfera a de Eichstaett continua tensa, ainda mais no inverno né? haha
Eu no seu lugar teria morrido de susto! Aproveite essa maravilha que Eichstaett é!