quinta-feira, 27 de maio de 2010

O outro lado das coisas

Uma conversa em um bar. Uma brasileira (1), um alemao (2) e uma francesa (3).*

(1) - O que vêm à cabeca de vocês quando se fala sobre o Brasil? Podem ser sinceros.
(2) - Praia, sol, calor e pessoas felizes.
(3) - E futebol também. E carnaval. Natureza... E praia. É, acho que a primeira coisa é praia..
(1) - Ahm.. e de coisas negativas?
(2) - Desigualdade social.
(3) - Violência.
(1) - Na escola, o que vocês aprendem sobre o Brasil?
(2) - Que ele fica na América Latina e foi colônia de Portugal. Nao muito mais que isso.
(3) - É, a localizacao geográfica, e fato de ser um dos maiores países do mundo em extensao e também a questao ecômica. Aprendemos que o Brasil é um país emergente. O Brasil tem sido destaque nos noticiários da Franca por causa da política externa do Lula, das relacoes com o Sarkozy e tal.
(2) - Ahm.. aqui na Alemanha nao se fala tanto no Brasil assim..
(1) - Alguma coisa sobre o comportamento sexual dos brasileiros?
(2) - Acho que brasileiros sao mais diretos e menos discretos.
(3) - Ahm.. nao tenho opiniao sobre isso.
(1) - A impressao que a gente tem é de que o pessoal da Europa enxerga as brasileiras como mulheres fáceis. Vocês pensam assim?
(2) - A gente sabe que a questao da prostituicao existe no Brasil, e, como eu disse, que as pessoas sao mais diretas e indiscretas em relacao a sexo, mas nao pensamos que as brasileiras sao todas prostitutas ou mulheres fáceis.
(3) - As pessoas no Brasil pensam que os europeus pensam isso de vocês? Bom, eu nunca ouvi nada do tipo. E o que os brasileiros pensam sobre a Franca?
(1) - O clichezao é: francês é erudito, chique (às vezes meio fresco e metido), os queijos fedem e o jeito de falar soa, pra nós, um pouco 'gay'. - Podia falar que têm fama de nao tomar banho, e de fato nao tomam muito mesmo, mas acho que já peguei pesado o suficiente.
(3) - Sério essa coisa do gay?
(1) - Sério. Mas é porque vocês fazem biquinho, e a gente nao tem isso no Português...
(2) - Desculpa, mas a gente aqui na Alemanha também tem essa impressao...
(3) - E você nunca me disse nada?
(2) - Nós nao falamos as coisas assim abertamente, como os brasileiros, haha
(1) - Desculpa gente!
(3) - Nao nao, tudo bem, é porque eu realmente nao sabia disso... Nao acho que a gente faca biquinho pra falar.
(2) - Repara. Vocês fazem.
(1) - Sim, vocês fazem!
(3) - E sobre o comportamento sexual francês?
(2) - Ixee.. dos europeus do ocidente, sao os mais sensuais e sexuais.
(1) - Nao tenho opiniao sobre, mas dos filmes franceses que assiti, me deu a impressao que francesas sao muito intensas quando apaixonadas, o que pode explicar essa coisa de sensual e sexual...
(3) - Concordo que somos sensuais, e acho que tem a ver com a língua francesa. 'A língua dos apaixonados'
(1) - ?
(2) - É, existe esse ditado sim. Mas e sobre a Alemanha? O que falam sobre a Alemanha?
(1) - A primeira coisa que vem à cabeca, infelizmente, é o nazismo. É basicamente o que a gente aprende na escola sobre a história alema. 2a Guerra e tal. E a esmagadora maioria dos filmes alemaes que chegam aos cinemas brasileiros tratam justamente do assunto.
(3) - Como a Franca foi adversária direta da Alemanha na Guerra, pra nós também é muito difícil dissociar Alemanha e nazismo. É automático.
(2) - Isso é triste.. tem mais alguma coisa além disso?
(1) - Bom, pela diferenca no tom da fala e pela disseminacao dos filmes alemaes sobre Nazismo, a gente tende a achar que vocês falam brigando. Porque nos filmes o Hitler usa o tom de discurso, de comando. Quando eu disse pras pessoas que estava estudando alemao, muitos disseram que nao me viam falando essa língua porque eu falo baixinho. Como falar baixinho em alemao? Os brasileiros acham, no geral, que vocês falam bravos e em um tom alto. E, talvez por isso, acham também que vocês sao, no geral, antipáticos e nao muito amigáveis. Mas é que a gente, no Brasil, é que é amigável demais também.
(3) - Como o francês é bem suave, a gente acha que o alemao soa rude. E nós achamos também que alemaes sao um pouco rudes. E bastante reservados.
(2) - Putz, alguma coisa positiva sobre a Alemanha? Afinal, vocês duas estao aqui né..
(3) - Na Franca, a gente admira muito a capacidade de reconstrucao de vocês. Afinal, o país estava um caco depois da Guerra, foi dividido, passou pela Guerra Fria, e hoje, depois de tudo isso, ainda é uma potência. Nós admiramos os esforcos alemaes e a uniao do povo alemao.
(1) - Como o Brasil fica fora da Europa e a nossa história nao está tao intimamente ligada como no caso Franca / Alemanha, o que de positivo a gente enxerga na Alemanha sao, por exemplo, as iniciativas pró meio ambiente. A gente tem a impressao de que a Alemanha, em comparacao com o Brasil, é um país ecologicamente correto. E tem também a impressao que as pessoas sao bastante sérias (às vezes até demais, porque brasileiros nao sao tao sérios assim), mas isso é bom, porque dá impressao que, no trabalho, vocês sao bastante eficientes.
(2) - Ah, pelo menos alguma coisa salva. Hehe. Mas essa coisa do nazismo é triste. É algo que a gente sempre vai tentar se desvincular e acho que nunca vamos conseguir. E sempre, de alguma forma, vamos pagar o pato pelo o que as geracoes anteriores fizeram. Por exemplo, eu tenho muita vontade de conhecer Israel, mas ser alemao e ir pra Israel é pedir pra ser insultado. Mesmo que eu nao tenha nada com o que aconteceu. É uma heranca ingrata que geracoes e mais geracoes vao ter que carregar. E um pouco da nossa tristeza, discricao e seriedade aparente é fruto disso: a gente sabe que nao somos o povo mais querido do mundo. E isso é um peso muito grande no ombro de todos da minha geracao.
(3) - Mas a gente nao acreditou em todos esses clichês, e a gente sabe que nao sao todos os alemaes que sao nazistas, e que nao dá pra culpar todas as futuras geracoes de alemaes pelo que aconteceu...
(1) - Nem mesmo a geracao que viveu o Nazismo. A gente sabe que tinha muita gente contra o sistema, que muitos protegeram Judeus, que muito alemao deu a vida por achar injusto o regime nazista
(2) - Vocês sabem disso porque estao aqui. Porque estao tendo a oportunidade de olhar o outro lado das coisas também, mas esse outro lado das coisas nunca é divulgado pra grande massa. Nao fazem um filme sobre os alemaes de Berlim que esconderam judeus nos poroes de casa para protegê-los, por exemplo. Fazem filmes em que eles falam 'os alemaes estao matando judeus', e nao eram os alemaes, eram ALGUNS alemaes, eram nazistas. Quando fui à Nicarágua, quando souberam que eu era alemao, me perguntaram logo de cara se eu era nazista. Parece que muita gente no mundo ainda vê como sinônimos alemao e nazista.
(1) - Infelizmente ainda é assim sim. Assim como vêem Brasil como sinônimo de festa e praia.
(3) - E a Franca como sinônimo de gente fresca, metida.
(2) - Espero poder ir um dia a Israel.
(1) - ...
(3) - ...

*baseado em uma conversa real.

Nao há melhor jeito de conhecer 'o outro lado' das coisas do que indo lá olhar.

5 comentários:

Helena disse...

Acho que essas discussões tem que acontecer entre brasileiros também. Gaúchos não concordariam muito com a tua visão sobre franceses e alemães e provavelmente em ideias bem erradas sobre o norte do Brasil. (Norte=tudo o que não é RS)

Ana Carolina Castro disse...

Concordo. A visao de europa que eu tinha antes de vir pra cá (e era sobre isso que conversávamos, sobre clichês e preconceitos), é diferente da sua, até pela sua família com forte descendência européia, pela sua educacao em escola alema e tal. Naturalmente discordamos em muita coisa, mas nisso, que também deveríamos discutir entre nós mesmos, concordo também.

Daniel Mundim disse...

O que a Helena disse é pontual. Estereótipo existe em qualquer lugar. Está na cultura, nas instituições, como a escola, a família, a igreja e, principalmente, na mídia. Por isso que esse post é interessantíssimo, esse diálogo é o retrato puro dessa situação. Você não exagerou em nada ao dizer que "não há melhor jeito de conhecer o outro lado das coisas do que indo lá olhar".

Paullo Di Castro disse...

Descobri seu blog tardiamente, mas compensou, estagiei na 730 contigo, lembras? Muito bom ler sobre suas experiências daí. Sucesso!

Paula disse...

Interessante isso aqui. E, de todo modo, tem o filme Bastardos Inglórios. Hehehehe. Mas o retrato que a gente tem dos lugares é bem assim mesmo. Helena tem razão não só sobre o que as pessoas das diferentes regiões do país pensam sobre países de fora - por conta das origens das pessoas. Mas a gente julga e é julgado dentro do Brasil. Digo sobre as informações errôneas que temos de outros estados e as que as pessoas têm de Goiás também.
Beijão.
Adoro o blog, já falei? Rs.